Não se pode ignorar a eficácia de algumas cenas de Fim dos Tempos, a mais recente tentativa do diretor Night Shyamalan virar o jogo a seu favor depois do lamentavelmente raso, auto-indulgente e rancoroso A Dama na Água. Do mesmo modo, a situação básica é instigante e até certo ponto original, mas o desenvolvimento recai na superficialidade que já prejudicou muitos filmes do cineasta, cuja pretensão – dizem – o faz comparar seu talento ao de Hitchcock.
A lembrança de Os Pássaros, uma das últimas obras-primas do mestre, também prejudica qualquer boa-vontade que se possa ter para com este The Happening (conforme o título original). O que em Hitchcock era uma estória-pretexto quase banal (socialite cheia de vontades vai a um vilarejo para dar em cima de um sujeito filho de mãe dominadora) servia ao contraste de um cotidiano prosaico com os inexplicáveis ataques das aves, virando de cabeça para baixo quaisquer expectativas assimiladas sobre o que é - e o que não seria ameaçador no mundo que nos cerca.
Já o roteiro de Shyamalan prevê um casal em crise com a jovem esposa tendo atitudes “estranhas” – o que talvez viesse a ser utilizado para confundir seus gestos com as ações mais estranhas ainda que as pessoas começam a ter em um bucólico dia no Central Park. Esta informação sobre a esposa algo imprevisível é feita pelo marido a um amigo com quem eles devem fugir de uma estranha ameaça que inicialmente é atribuída a um ataque terrorista: os humanos estão perdendo seu instinto de sobrevivência e passaram ao suicídio com a mesma indiferença robotizada de quando ajeitam o cabelo desmanchado pelo vento. O vento, espalhando alguma substância tóxica que interfere nos circuitos cerebrais, pode ser um grande inimigo: como escapar do ar que respiramos?
Como se vê, a premissa daria margem a um filme aterrorizante fora dos clichês de sangue&tripas que assolam o cinema do gênero há muitos anos. E, de fato, há elegância em algumas tomadas: como em um plano que segue ao rés do chão de uma rua na qual se vê um revólver ser pego por duas ou três pessoas a cada momento, sempre que a outra já caiu ao solo depois de se escutar o som de tiro disparado. Infelizmente, esta economia de cenas explícitas (outra bem seca e sem traços de grand guignol mostra um carro sendo dirigido intencionalmente rumo a uma árvore) vai acabar dando passagem a um tórax transformado em peneira, uma cabeça sem o tampo posterior e um rosto que atravessa vidraças e coleciona cacos de vidro enfiados nos órgãos da face. Parece que o diretor, embora geralmente pretensioso, não confiou neste seu taco – ou recaiu na atração pelo bizarro do “monstro” de A Vila, outro filme de ótimo início tanto no argumento (mal desenvolvido) como nas bonitas tomadas iniciais (substituídas por bizarrice grotesca).
Quanto ao casal central, interpretado por Mark Wahlberg e Zooey Deschanel, fica difícil saber se seus atos são estranhos pela ruindade do roteiro e diálogos ou pelo desempenho (entre inadequado e insosso) dos atores: ele mal consegue convencer como um professor de ciências cheio de dicas ecológicas doutrinárias, mas fica pior ainda como um sujeito “doce” e compreensivo com a mulherzinha definitivamente “mala” e pessimamente interpretada por Zooey Deschanel. Mas o que um Laurence Olivier faria em uma cena como a que cabe ao personagem de Wahlberg quando tenta “dialogar” com uma planta que poderia estar exalando gases tóxicos? Se o cenário era um dos melhores do filme (uma casa-demonstração para venda de um condomínio onde tudo é fake – dos computadores aos copos de vinho), a conversa com a planta incorre em um humor mais involuntário do que talvez até tenha sido pretendido.
# FIM DOS TEMPOS (The Happening)
EUA, 2008
Direção e Roteiro: M. NIGHT SHYAMALAN
Fotografia: TAK FUJIMOTO
Edição: CONRAD BUFF IV
Direção de Arte: ANTHONY DUNNE
Música: JAMES NEWTON HOWARD
Elenco: MARK WAHLBERG, ZOOEY DESCHANEL, JOHN LEGUIZAMO, ASHLIN SANCHEZ.
Duração: 91 minutos
Site oficial: http://www.thehappeningmovie.com/