Críticas


SEGREDO DO GRÃO, O

De: ABDELLATIF KECHICHE
Com: HABIB BOUFARES, HAFSIA HERZI.
11.07.2008
Por Luiz Fernando Gallego
FACES EM CLOSE, PLANOS DILATADOS E ELIPSES

Premiadíssimo na França (César de melhor filme, direção, roteiro e atriz revelação, tendo vencido as mesmas categorias no Étoile D’Or; Prêmio Louis Delluc; prêmios dos críticos franceses e Lumière) e também no Festival de Veneza de 2007 (Prêmio Especial do Júri e ainda da Federação Internacional de Críticos – FIPRESCI), a inclusão de O Segredo do Grão na recente mostra Panorama do Cinema Francês 2008 poderia ter sido uma rara oportunidade para o cinéfilo carioca conhecer Abdellatif Kechiche, um dos cineastas com maior prestígio europeu nesta década, aqui em seu terceiro longa-metragem. Os dois anteriores, A Culpa de Voltaire (2001) e A Esquiva (2003) foram lançados em São Paulo, mas não no Rio, onde apenas o segundo teve exibição no CCBB em uma mostra de “inéditos” nas telas do Rio. Felizmente, La Graine et le Mulet (título original) entrou em cartaz com sesões contínuas.



Uma forma de aproveitar o melhor que O Segredo do Grão traz para o espectador é assistir o filme “sem pressa”: há muitas cenas e planos de longa duração mostrando o dia-a-dia de Silmane Beiji e seus familiares. Ele é um franco-tunisino de 61 anos que, com a indenização de seu antigo trabalho, resolve abrir um restaurante especializado em cous cous marroquino e em outros pratos de culinária árabe (o título original fala do grão e de um peixe muito usado na Tunísia). Nada será fácil nesta tentativa de recomeçar a vida e propiciar trabalho para seus filhos, filhas e até mesmo para a ex-esposa que cozinha muito bem - embora ele mantenha uma ligação estreita com outra companheira e com a filha dela, Rym, interpretada pela jovem Hafsia Herzi que recebeu justo destaque em premiações, reservando uma surpresa para o desfecho do filme.



Mas o desempenho de Habib Boufares como Silmane também é excepcional na discrição adequada ao estado de ânimo depressivo - ainda que tenaz - do personagem. Na verdade, todo o elenco é digno de nota, em interpretações naturalistas mais do que convincentes. O cineasta teria declarado que sua proposta era a de « quebrar a distância entre o filme e o espectador na sala de projeção, estabelecendo-se um laço com o que se passa na tela ». Sem atores com tamanho poder de convencimento e naturalidade nas falas banais (ou não) e sem os intensos e freqüentes closes em seus rostos, tal intenção não se realizaria. Claro que também é necessária uma boa cumplicidade por parte da platéia que precisará se acostumar ao ritmo de cenas dilatadas seguidas de elipses de tempo, através das quais o enredo vai se desenvolver gradativamente, surpreendendo pela tensão que estabelece no terço final, quando o acaso e outras circunstâncias prosaicas (que não serão reveladas aqui para quem ainda vai ver o filme) tomam a frente da aparente banalidade que as cenas anteriores vinham desenvolvendo.



Acostumado a outro ritmo do cinema comercial atual, o público pode estranhar as longas conversas prosaicas e cotidianas em torno da mesa de almoço, assim como as discussões iniciais sobre questões de trabalho/desemprego e etnias estrangeiras na França. Mas quase nada é gratuito para o clima pretendido pelo diretor, e seu filme poderá gratificar a platéia disponível a compartilhar a espontaneidade com que os fatos, diálogos, silêncios e monólogos se sucedem, tal como se estivéssemos mesmo nos ambientes, vivendo as situações daquelas pessoas. Pode-se questionar o ritmo ou alguns detalhes acumulados no final do roteiro, mas o saldo é bem mais positivo e atende à curiosidade do cinéfilo em relação ao destaque que o cineasta e seus filmes vêm merecendo.



# O SEGREDO DO GRÃO (LA GRAINE ET LE MULET)

França, 2007

Direção e Roteiro: ABDELLATIF KECHICHE

Fotografia: LUBOMIR BAKCHEV

Edição: GHALIA LACROIX e CAMILLE TOUBKIS

Elenco: HABIB BOUFARES, HAFSIA HERZI.

Duração: 151 minutos

Site oficial: http://www.lagraineetlemulet-lefilm.com/

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