Críticas


LUZ SILENCIOSA

De: CARLOS REYGADAS
Com: CORNELIO WALL, MARIA PANKRATZ, MIRIAN TOEWS, PETER WALL.
08.08.2008
Por Luiz Fernando Gallego
METAFÍSICA ESTILOSA

É difícil fugir à descrição informativa encontrada em dezenas de resenhas e críticas sobre a terceira e mais recente película dirigida pelo mexicano Carlos Reygadas, Luz Silenciosa: diálogos econômicos, desempenhos dos atores com postura rígida (lembrando filmes de Bresson), enquadramentos muitas vezes fixos, planos-seqüência longos – e, portanto, ritmo pausado (na verdade Andante - ou melhor, Adágio ou ainda Molto Lento).



Sob o ângulo formal da narrativa ainda faltaria repetir que a fotografia é deslumbrante, capaz de recriar imagens belíssimas que surgem como sendo vistas pela primeira vez. E dizer que é acachapante o preciosismo de movimentos de câmera em 360 graus.



A questão que se coloca frente a tanta exibição de competência formal é: a serviço de que está tamanho requinte estiloso ao incorrer de modo tão radical nos cânones (planos fixos, ritmo lento, etc etc) do que é objeto de culto em setores restritos de cinefilia e de premiações em festivais?



O enredo, sufocado sob tanto formalismo, trata de um adultério culpado no seio de uma comunidade de origem européia com orientação religiosa dissidente que fugiu para o Novo Mundo durante a Reforma: um grupamento humano de hábitos ascéticos, encravado nos confins do México mas falando em Plattdeutsch, um dialeto de raízes germânicas e holandesas. O espectador não é nunca informado desta ambientação em que transitam os personagens e tais esclarecimentos têm ficado ao encargo de sinopses e das resenhas críticas sobre o filme: trata-se de menonitas, uma das seitas anabatistas surgidas no século XV (tal como os Amish, conhecidos pelos fãs de cinema desde o filme A Testemunha, de 1985). Eles defendiam que as pessoas só deveriam ser batizadas voluntariamente – e não como se faz em quase toda a cristandade, compulsoriamente, através do batismo infantil. Daí serem denominadas de “anabatistas”.



Este nem tão indiferente detalhe (ausente de esclarecimento no filme) poderia situar com mais pathos a história de ‘Johan’, casado com ‘Esther’, pai de seis filhos, mas agora apaixonado por ‘Marianne’ - até onde a marcação sonambúlica dos atores permite que o personagem seja um “apaixonado”. Em uma das melhores cenas, o pai de Johan lhe conta que viveu um dilema semelhante quando era mais jovem, tendo que fazer uma sempre dolorosa escolha entre a esposa e uma outra mulher. Ou seja, o roteiro poderia estar discutindo mais abertamente questões ligadas ao conflito que se estabelece entre a submissão a uma pré-destinação social tida como definitiva e imutável, e a surpresa do sujeito que se descobre em mal-estar insuportável dentro da alienação do desejo que lhe foi imposta pela cultura em que está imerso. Mesmo abolindo o batismo “prévio” infantil, um menonita (como qualquer indivíduo de qualquer crença religiosa - ou de nenhuma) pode não escapar de ter que lidar com decisões que problematizam pré-concepções alheias às reviravoltas da pulsão em busca de satisfação, mudando de objeto no investimento amoroso.



Mas talvez não fosse este tema (universal) o interesse básico de Reygadas - diriam os defensores do filme e de sua concepção, já que a trama vai se encaminhar para uma questão metafísica. E aí entra algo “religioso” a que só vamos aludir mais adiante, depois de advertir que é spoiler - e esta ambição metafísica é o único link entre o que acontece nos minutos finais do filme e suas longas cenas puramente visuais e “cósmicas” que abrem e fecham a projeção.



O desinteresse ativo do autor quanto às informações sobre a ambientação e o cenário realista (o que torna muito difícil para um espectador que não o saiba, imaginar que seja um filme mexicano) talvez pretendam extrapolar os limites situacionais e circunstanciais do enredo, ambicionando ir além de conflitos morais entre o desejo e as normas de conduta que o constragem. E o tempo de duração das seqüências (e do filme, cuja versão em cartaz é dita ser com 127 minutos embora haja menção a metragem de 142 minutos no lançamento francês), assim como as imagens quase abstratas do início e do final parecem mesmo confirmar que Reygadas quer extrapolar limites.



Mas as principais referências cinematográficas (óbvias) a cineastas que também tentaram abordar aspectos ligados a formas de transcendência, traiçoeiramente, deixam o filme a anos-luz das obras que o inspiraram, direta ou indiretamente: os já mencionados de Bresson, assim como os de Tarkovski apontavam com mais objetividade e bem menos afetação para concepções ligadas a um catolicismo torturado (no caso de Bresson) ou mesmo a um misticismo dolorosamente desalentado (em Tarkovski).



ATENÇÃO: o trecho que se segue traz informações que podem não ser do interesse de quem ainda não assistiu o filme.



O golpe de misericórdia, no entanto, é dado pelo desfecho do roteiro com um evento milagroso - que é bem mais do que uma “citação”, sendo uma cópia do final de A Palavra (Ordet, 1955), obra-prima de Carl T. Dreyer com seus 126 minutos de premissas e desenvolvimento da narrativa compatíveis com a surpresa de um inusitado final - que lá era coerente, mas aqui soa como apenas copiado, repetido e inserido à força e with a little help de uma lágrima da amante sobre o rosto da esposa no caixão, ressuscitando-a. Mais do que se mexer na sepultura, Dreyer poderia também ressuscitar para cobrar devido direito autoral por plágio indevido.



# LUZ SILENCIOSA (STELLET LICHT)

México/França/Alemanha/Holanda, 2007

Direção e Roteiro: CARLOS REYGADAS

Fotografia: ALEXIS ZABE

Edição: NATÁLIA LOPEZ

Direção de Arte: NOHEMI GONZALEZ

Elenco: CORNELIO WALL, MARIA PANKRATZ, MIRIAN TOEWS, PETER WALL.

Duração: 127 minutos, segundo o circuito lançador.

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