A primeira imagem de Ao Entardecer levanta suspeitas: Claire Danes está deitada em um pequeno barco parado sobre águas tranqüilas, vestida de branco. O barco está perto de pedras sobre as quais está Vanessa Redgrave, de preto. O clima é “poético” com direito a pirilampos no ar. Algo sugere efeitos digitais que lembram cartões de Natal de gosto duvidoso. O fato de ser uma criação oniróide de uma personagem agonizante não atenua o desconforto e o medo do que pode vir pela frente. E que vem.
Como imaginar que um filme com um elenco feminino que ainda traz Meryl Streep e Glenn Close possa ser tão ruim como a primeira cena já pode antecipar? Ainda mais se o roteirista é Michael Cunnigham, autor premiado com o Pulitzer pelo romance As Horas?
Além de trazer nomes estelares atuais (como Claire Danes) e os das respeitadas veteranas, temos ainda a habitualmente ótima Toni Colette; e a filha de Vanessa, Natasha Richardson, no papel de filha da personagem interpretada pela mãe. E ainda a pouco conhecida Mamie Grummer - que é filha de Meryl Streep e faz o mesmo papel da mãe quando jovem. Talvez uma ação em família explique tantos nomes interessantes em um filme tão desinteressante?
Também pode se tratar de uma “ação entre amigos” – já que Colette teve pequena mas marcante presença em As Horas, o filme extraído do livro de Cunnigham (onde C. Danes fazia a filha de M. Streep); e Glenn Close trabalhou em Encontro com Vênus, de István Szabó, quando Lajos Koltai, o diretor deste Evening (título original), era apenas um (premiado) fotógrafo de vários filmes de Szabó, incluindo Mephisto. Este é o segundo filme que ele dirige depois de estrear em 2005 com Marcas da Guerra, disponível em DVD no Brasil, ainda a conferir, mas com um pé atrás.
O que é mais difícil entender diz respeito ao roteiro assinado por Cunnigham e que é extraído de um livro de outro autor, no caso, a escritora também norte-amerciana Susan Minot. As personagens de As Horas eram mulheres de várias épocas com pathos e verossimilhança, enquanto o que Ao Entardecer nos reserva é um amontoado de clichês melodramáticos muito mal desenvolvidos: tanto na atualidade como em meados dos anos 1950, quando somos agraciados com um clima de época e duas ótimas canções (uma de Harold Arlen, outra de Sammy Cahn) com forte apelo nostálgico. Mas a trilha sonora original composta para o filme é adocicadamente enjoada.
O pior de tudo, entretanto, fica para um dos poucos personagens masculinos com algum destaque: ‘Harris’, a cargo de Patrick Wilson. O ator esteve bem no lamentável Meninamá.com, mas aqui volta a lembrar um sub-Kevin Costner sem ter o que fazer além de inspirar um suposto irresistível apelo sexual (?), pelo menos para duas moças e... um rapaz. Ah! a repressão homossexual, especialmente no passado recente, foi quase sempre um tema que interessa a Cunnigham; mas está mal explorado aqui como quase tudo no precário roteiro, havendo amplas lacunas sobre o que se passou entre um dia dos anos 1950 e o tempo atual, épocas em que se desenrola o filme - com três breves momentos intermediários bem pouco esclarecedores para a compreensão do que teria se passado, ao longo das décadas, com a personagem de C.Danes/V.Redgrave (muita coisa terá ficado na sala de montagem?).
O filme se arrasta ao longo da agonia de Vanessa Redgrave cuidada por uma enfermeira (Eileen Atkins, que também esteve em As Horas, agora envelhecidíssima) e por suas filhas, Natasha e Colette – personagens chatas que deixam as atrizes igualmente tediosas: uma está de bem com a vida, a outra precisa que a mãe em seu leito de morte peça a ela para "ser feliz". Incrível, mas verdadeiro. Natasha nunca mostrou ter o talento dos Redgrave, mas Colette nunca esteve tão desinteressante. No passado, Claire Danes é Vanessa: com o sorriso amplo de sempre e os cacoetes de olhares “espertos” que vêm estereotipando a atriz. A filha de Meryl Streep é muito parecida com ela fisicamente, mas a personagem amadureceu tanto em 50 anos que não parece a mesma. M. Streep só aparece em uma cena e o modelo Chanel que ela veste chama mais a atenção do que os diálogos com Vanessa. Desperdiçar um encontro entre as duas deveria implicar em condenação ao fogo eterno. Já Glenn Close parece ter sido escalada para fazer seu tipo habitual de não-tão-boa-pessoa-elitista com direito a uma cena de histrionismo patético. Hugh Dancy é quem tem um pouco mais de oportunidades para tentar modular o personagem de um rapaz que sofre do que era o “amor que não ousava dizer o nome”.
Um desastre completo, indo além de qualquer kitsch tolerável.
# AO ENTARDECER (EVENING)
EUA/Alemanha, 2007
Direção: LAJOS KOLTAI
Roteiro: SUSAN MINOT e MICHAEL CUNNINGHAM
Fotografia: GYULA PADOS
Edição: ALLYSON C. JOHNSON
Direção de Arte: JORDAN JACOBS
Música: JAN A. P. KACZMAREK
Elenco: CLAIRE DANES, VANESSA REDGRAVE, TONI COLETTE, PATRICK WILSON, HUGH DANCY, NATASHA RICHARDSON, EILEEN ATKINS, MAMIE GRUMMER, MERYL STREEP, GLENN CLOSE.
Duração: 117 minutos
Site oficial: www.focusfeatures.com/evening