Críticas


MOSTRA ALAIN RESNAIS NO CCBB: MORRER DE AMOR

De: ALAIN RESNAIS
Com: SABINE AZÉMA, PIERRE ARDITI, FANNY ARDANT, ANDRÉ DUSSOLIER.
22.08.2008
Por Luiz Fernando Gallego
A CONSCIÊNCIA DA FINITUDE

Morrer de Amor (ou Amor à Morte como quer o título original) é um dos filmes menos conhecidos entre nós de Alain Resnais, embora tenha feito parte de um antigo festival de filmes do Rio, quando ainda eram realizados no extinto Hotel Nacional em São Conrado. Ao lado de Na Boca, não! (2003), A Vida é um Romance (1983) e de Melô (1986), é um dos quatro filmes do cineasta que não tiveram distribuição comercial no Brasil - e só por isto já despertaria a curiosidade do público interessado.



Filmado entre A Vida é um Romance e Melô (que chegaram a ser exibidos em canais de TV a cabo já há algum tempo), Amour à Mort talvez seja peculiar mesmo dentro da própria filmografia de Resnais. Como o título denuncia, fala da morte e da noção de finitude do ser humano como assunto central, estendendo sua temática a terrenos “bergmanianos” metafísicos, discutindo a possibilidade de ressurreição e de vida após a morte. Insólito? E instigante.



Na primeira cena, o rosto angustiado (desesperado) de Sabine Azéma (que desde o filme anterior participou de todos - que Resnais realizou, exceto de Quero ir para Casa) enquanto escutamos a respiração de um homem, em estertores. O médico idoso que chega o declara morto. O telefone toca, a mulher, transtornada atende: um casal amigo de ministros religiosos de orientação provavelmente luterana (André Dussolier e Fanny Ardant) está preocupado, querem saber o que está havendo. Sem responder, a mulher vê o “morto” (Pierre Arditi) descer as escadas, comentando que deveria ter dormido muito e que a dor de cabeça havia diminuído. Perplexidade discreta. De início não comentam o diagnóstico do médico, mas no decorrer do filme ele vai afirmar que não quer ser visto como “o ressuscitado”, e irá comentar vivências extra-corpóreas durante os minutos em que esteve morto (ou desacordado?).



A morte passa a ser uma obsessão e outros incidentes irão manter o tema dominante: um suicídio de personagem que nem surge em cena serve para mostrar a intolerância do pastor para com o auto-extermínio e a complacência de sua esposa que aceita conduzir os ofícios religiosos fúnebres; fala-se de Lázaro ressuscitado por Jesus; o médico reafirma que o homem esteve morto e que sabe de um caso semelhante; a mulher consulta especialistas com exames neurológicos do companheiro... Mais adiante vamos saber que na juventude este homem havia tentado suicídio ao lado de outro personagem do filme...



Os nomes do quarteto central de personagens chamam atenção, ficando difícil de serem ignorados. ‘Jerôme’, o pastor, fala das diferenças de conotação entre os termos Eros e Ágape no grego antigo - mas que nos Evangelhos traduzidos por São Jerônimo (mesmo nome de Jerôme) para o latim foram equalizados como “amor”. No entanto, diz ele, têm acepções originais bem diversas: amor possessivo (Eros) e amor desinteressado (Ágape), este último tal como o amor de Deus por suas criaturas e entre os humanos por amor ao Criador e à sua criação que nos deu existência. A ministra, sua esposa, chama-se ‘Judith’, nome de personagem bíblica corajosa que foi capaz de matar um inimigo dos hebreus. O “ressuscitado” é ‘Simon’ tal como São Pedro era “Simão” antes de ser chamado por Jesus para ser a ‘pedra’ fundamental de sua nova Fé. E ‘Elisabeth’ é equivalente a “Isabel”, a prima de Maria, mãe de Jesus e que concebeu João (que batizaria Jesus) em idade avançada.



Tais coincidências (?), assim como as escolhas das profissões dos personagens (arqueólogo para o “morto”, pastores religiosos, pesquisadora em biologia botânica) foram levantadas, entre outros, pelo ensaísta luso M. S. Lourenço que, ao mesmo tempo, questionava se houve acaso ou intencionalidade na escolha dos nomes e atividades por parte de Resnais e de seu roteirista, Jean Gruault - o mesmo de Meu Tio da América e de A Vida é um Romance, mas também de outro filme que falava de obsessão pela morte, o igualmente estranho na filmografia de Truffaut, O Quarto Verde, filmado seis anos antes de Amour à Mort.



O fato é que o filme tem laços não só com O Quarto Verde, mas, principalmente pode lembrar Luz de Inverno de Bergman, com seus personagens torturados pela consciência da morte a ponto de pensarem em “antecipar” o amargo fim logo de uma vez, através do suicídio. Em Bergman, um também pastor era questionado (e se mostrava em crise face ao proverbial “silêncio de Deus”).



Não iremos denunciar o desenvolvimento dos fatos e das idéias neste estranho roteiro em consideração aos futuros espectadores que ainda vão tentar conhecê-lo, já que o filme ainda terá mais uma exibição no Rio dia 29 de agosto, além de estar programado quando a mostra seguir para São Paulo e Brasília. Mas podemos comentar alguns aspectos formais igualmente insólitos na narrativa visual que é freqüentemente interrompida por intervalos musicais sem imagens, ou melhor, com tela escura e partículas brancas. Lembram flocos de neve, tal como no muito posterior e recente Medos Privados em Lugares Públicos.



Aqui, entretanto, os flocos não surgem superpostos às imagens, mas aparecem sobre um fundo negro, entre uma cena e outra, acompanhados de sons dissonantes de Hans Werner Henze que já havia musicado Muriel para Resnais. Esta opção soa estranha para o espectador mas fazia parte inerente da concepção do cineasta que declarou que o ponto de partida deste filme foi “a tentação de usar a música como elemento dramático, ver se podia organizar um filme e uma narrativa utilizando a música como se fosse uma quinta personagem”. Seja como for, as "interrupções" na seqüência das cenas causadas pelas síncopes de tela escura com partículas brancas flutuando podem sugerir também a morte que pode advir a qualquer momento, suspendendo o fluxo da vida tal como estes hiatos visuais com sons dissonantes suspendem brevemente, em inúmeros momentos, o fluxo narrativo do enredo.



Independente do desafio formal que Resnais se propôs – e de ter atingido (ou não) sua pretensão, o desafio da história narrada certamente irá cativar o público que se interesse em conhecer este obscuro filme de um dos mais provocadores diretores de toda a história do cinema: sem alarde, Resnais é o mesmo de sempre ao tentar novos caminhos e, por isso, quase sempre é “novo”. Mesmo em seus filmes relativamente menos bem-sucedidos, mostra-se um dos maiores cineastas de todos os tempos.



Ainda cabe destacar a textura da fotografia de Sacha Vierny para os tons “terrosos” dos interiores escuros à noite na casa de Simon e Elisabeth, fazendo algum contraste nas cenas ao ar livre diurnas, mas nunca “luminosas” nem “brilhantes”. Um “filme de câmara” e de câmera, explorando vários closes nos rostos dos (ótimos) atores na tela larga do cinemascope bem utilizado.



# MORRER DE AMOR (AMOUR À MORT)

França, 1984

Direção: ALAIN RESNAIS

Roteiro: JEAN GRUAULT

Fotografia: SACHA VIERNY

Edição: JEAN-PIERRE BESNARD e ALBERT JUNGERSON

Música: JACQUES SAULNIER

Elenco: SABINE AZÉMA, PIERRE ARDITI, FANNY ARDANT, ANDRÉ DUSSOLIER.

Duração: 92 minutos

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