Críticas


NEVOEIRO, O

De: FRANK DARABONT
Com: THOMAS JANE, MARCIA GAY HARDEN, LAURIE HOLDEN, TOBY JONES.
06.09.2008
Por Luiz Fernando Gallego
FILME DE TERROR QUE É UM HORROR DE FILME

O Nevoeiro é assinado por Frank Darabont, o mesmo diretor que já levou para as telas duas outras histórias de Stephen King, resultando no estimado Um Sonho de Liberdade e no longo e cansativo À Espera de um Milagre. Desde 2001, quando lançou o simpático (mas não plenamente realizado) Cine Majestic, com Jim Carrey, Darabont não filmava um longa para salas de cinema.



Ele mostra estar em forma com uma câmera esperta e fluente que a partir de um ótimo início faz esperar muito do filme - mas que lamentavelmente naufraga logo depois. Já foi dito que a concretização de monstros ocultos em um misterioso nevoeiro que toma conta de uma cidadezinha americana empobrece enormemente o que poderia ter sido uma ótima retomada do estilo de filmes de terror “B”.



Se tal clima que o cineasta consegue reciclar tão bem alguns momentos (como na abertura) fosse atualizado quase que apenas com a névoa ameaçadora e mortal - sem que se soubesse bem o que ela traz em si de maléfico, poderíamos ter um grande filme do gênero – e não só. Mas algumas formas físicas asquerosas irão inundar as telas, das quais a única que mereceria ser preservada seria a das teias brancas que aprisionam corpos e lembram a própria névoa.



Depois de uma passagem (literal) sem-noção e dispensável de uma espécie de ser que lembra um pouco a mãe-Alien do segundo filme da série, mas nada faz, o desfecho da história, em sua vigésima-quinta hora da já esticada projeção, é gratuito e “fácil” pour épater, sugerindo a interferência de um ficcionista à moda de antigo "deus ex machina" – mas de segunda categoria, como quase tudo que vem do autor do conto original, Stephen King, que tem fértil imaginação, mas escreve mal feito o Paulo Coelho.



Parece que o finalzinho foi implantado para dar uma reviravoltinha e provocar um desconcerto-surpresa na platéia, sugerindo que o personagem principal tomou a decisão certa de se ver "sem saída" na hora errada: valeria esperar pela vigésima-sexta hora...



Uma personagem episódica que no início do terror quer sair do ambiente “protegido” de qualquer forma para estar com seus filhos é um dos elementos gratuitos no desfecho e de enorme incoerência dentro da coerência mínima que se pode esperar a partir da diegese ficcional que é durante todo o tempo fortemente enfatizada no sentido de estabelecer (e mostrar) para a platéia o enorme perigo que os personagens corriam.



O filme tem dezenas de tais gratuidades no desenvolvimento do enredo e sem consistência para sustentar significados que parece pretender sugerir: questões pseudo-filosóficas, políticas (mais uma metáfora do 11 de setembro?) e religiosas. Neste último terreno as coisas ficam piores ainda à custa da personagem interpretada por Marcia Gay Harden, atriz cada vez mais insuportável em suas caricaturas de doida-chata, superestimada desde seu ataque de overacting em Sobre Meninos e Lobos. Como recebeu até um Oscar, ela incorporou o exagero e faz mais uma exibição de como tornar insuportável (no sentido da interpretação dramática) uma personagem que já era intragável (no tipo de papel e para que a personagem serve dentro do plot).



Já foi aventada a hipótese de que o personagem central que se opõe ao misticismo fanático e derrotista de sua antagonista (vivida pela Márcia Gay Harden), um homem determinado, combativo, mas que vai ficando cada vez mais – e justificadamente – pessimista com o que ele (e o público também) vê, seria uma espécie de "narrador inconfiável". Mas nem o desempenho apenas correto - porém sem modulações - do ator Thomas Jane, nem o arco do personagem ao longo do filme, nem a cena final, trazem elementos suficientes para que se possa supor que o que vimos teria sido algo narrado por ele; ou que ele tenha sido contaminado por seu medo ou pânico internos, deformando e/ou atrapalhando suas atitudes e racionalidade. Racionalidade que o tempo todo é vista de modo a ser tomada como um dado de fato para a platéia. Qualquer coisa diferente disto seria um “jogo sujo” de roteiro que quer surpreender porque quer surpreender de qualquer jeito. Coisa que o filme até faz através de outras incoerências. A partir delas, qualquer coisa poderia ser superinterpretada, até mesmo a hipótese de que um "sacrifício" (no sentido religioso) no desfecho poderia "ter resolvido" o problema como pretendia talvez a fanática mística. Esta hipótese tão gratuita como outra qualquer seria apenas mais uma, talvez até uma “ousadia” se tivesse sido assumida na narrativa - mas o filme não oferece base para se pensar isto nem aquilo: assim é se lhe quiser parecer... mas sem limites.



Há ainda uma vaga sugestão de que o homem vivido por Thomas Jane teria tido algum “caso” fortuito com a personagem de Laurie Holden: há breves olhares furtivos e sugestivos, mas apenas no início da situação de perigo. O que reforça a impressão de que o enredo tinha vários caminhos opcionais mas deixaram todos sugeridos e quase nenhum bem assumido, saindo sempre pela tangente. Que saudades das indefinições do Anjo Exterminador" buñueliano ou de Os Pássaros do velho Hitchcock! Nada contra a ambigüidade desde que houvesse de fato um clima de ambivalência e indefinição... mas o que resta mesmo é um roteiro inconsistente que quer atirar em várias direções e não persegue praticamente nenhuma de forma minimamente coerente dentro da própria proposta ficcional: de terror, absurdo ou fantástico. Afinal, se até na loucura há método...



O mau gosto de insetos enormes queimando com jeitinho de Defeitos especiais não seria tão grave quanto o "bem feito" (mas já muito explorado) corpo humano que se rompe cheio de insetinhos maléficos, o que lança tudo definitivamente no terreno grotesco do mau-gosto e do grand guignol, perdendo mais pontos para poder ser levado a sério e receber empréstimo de significados.



Poderia ser um bom filme, sim, bem filmado/dirigido e razoavelmente encenado, mas no fundo, no fundo, é um tanto raso demais para tantas propostas de interpretações que seriam apenas superestruturas para uma narrativa sem nenhuma infra-estrutura por sua gratuidade de aterrorizar com verniz das sugestões pseudo-filosoficas/religiosas. Afinal, a Marcia Gay Harden é "criacionista" feito o Bush ou está “com a razão”? É uma “santa” que afasta de si um inseto mortal com o poder da mente e da fé? Tudo em cima do muro para a hipótese de ser levado a sério. E como terror "B" descompromissado com tantas interpretações acaba sendo apenas “mais um” com seus momentos de nojo - com a diferença de uma boa câmera e fluência visual, coisa que qualquer diretor de comerciais competentes também sabe fazer.



# O NEVOEIRO (THE MIST)

USA, 2007

Direção e Roteiro: FRANK DARABONT

Fotografia: RONN SCHMIDT

Edição: HUNTER M. VIA

Direção de Arte: ALEX HAJDU

Música: MARK ISHAM

Elenco: THOMAS JANE, MARCIA GAY HARDEN, LAURIE HOLDEN, TOBY JONES.

Duração: 126 minutos

Site oficial: http://www.themist-movie.com/

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