Críticas


FESTIVAL DO RIO 2008: SENTIDOS…+ DREZNICA

De: EVALDO MOCARZEL + ANNA AZEVEDO
25.09.2008
Por Carlos Alberto Mattos
ENSAIOS SOBRE A CEGUEIRA

O longa de Evaldo Mocarzel e o curta de Anna Azevedo trabalham cada um a sua maneira com a experiência da falta de visão.



“Fico apavorado com o estigma, mas minha trajetória me condena”, disse-me certa vez Evaldo Mocarzel quando o chamei de documentarista de excluídos. Embora seus filmes não se contentem com a exposição da exclusão, mas busquem o olhar dos excluídos sobre o mundo e sobre si mesmos, é de gente desprovida de alguma coisa fundamental – casa, dinheiro, aptidões – que trata a maioria de seus filmes. Em Sentidos à Flor da Pele, o que falta aos personagens é a visão.



Evaldo foi instigado ao assunto por seu montador habitual, Marcelo Moraes, cujo pai ficou cego há muitos anos. Saiu em busca de outras pessoas que não só tivessem histórias de superação e conquistas para contar, mas que também se prestassem às costumeiras parcerias estabelecidas pelo diretor com seus documentados. Assim, o pai de Marcelo comenta velhos slides projetados sobre seu próprio corpo. Um analista de sistemas cria uma paisagem sonora para uma cena especialmente filmada para tal. Um advogado filma a mulher a partir dos sons que ela produz. Uma psicóloga visita uma exposição multisensorial. Nem todos esses procedimentos rendem o esperado, mas não faltam situações provocantes e momentos de rara empatia.



Alguns desses personagens são acompanhados pela câmera em sua rotina e deslocamentos diários, sem qualquer intervenção ou interação (o cego seria um personagem mais afeito ao cinema puramente observacional?). Trata-se de mergulhar tanto quanto possível na realidade do portador de deficiência visual sem, contudo, “transferir” ao espectador a sensação da deficiência, lugar-comum de tantos ensaios sobre a cegueira por aí. O objetivo é aproximar-se, com cuidado, não da experiência, que tal seria impossível na linguagem audiovisual, mas do sentido da experiência. E compreender, por exemplo, por que a cantora Giovanna, acometida por um câncer no olho quando tinha um ano de idade, hoje diz temer a hipótese de recuperar a visão e quebrar o mundo extremamente pessoal que “vê” com a mente.



Há, com certeza, personagens “exemplares”, como a hiperativa Ethel Rosenfeld, criadora da lei que permite o acesso de cães-guia a espaços coletivos, ou o advogado Ricardo Fonseca, que trabalha em prol de pacientes visuais. Mas o filme não os institucionaliza, senão os retrata como os demais, para quem a falta da visão não reduziu a capacidade de sentir e de realizar. Deficiência e eficiência nem sempre são opostos.





DREZNICA – O curta de Anna Azevedo, que já circulou internacionalmente e agora estréia no Rio, aborda a cegueira por uma vereda mais experimental, agregando à deficiência a instância do sonho. É um filme construído a partir de memórias alheias. No plano das imagens, velhas cenas domésticas e filmes de viagem em Super 8, colhidas de várias pessoas e famílias, picadinho de memórias colocadas num liqüidificador visual. No plano do áudio, relatos de cegos a respeito de sua maneira de sonhar, lembrar e perceber. A justaposição dos dois planos cria uma estranha impressão de relação e deslocamento, como se dois mundos corressem juntos e se tocassem apenas aqui e ali, ao sabor do acaso. Não se trata mais de buscar o que seria a visão subjetiva do cego, mas de nos apresentar imagens com a mesma imprecisão, a mesma inconstância e também a mesma intensidade daquilo que nos é contado pelas vozes. Dreznica pode ser chamado de hermético ou poético com a mesma dose de razão.





Sentidos à Flor da Pele e Dreznica passam sempre em programa conjunto:

SEX (26/9) 18:00 Odeon Petrobras [OD001]

SAB (27/9) 13:15 Odeon Petrobras [OD005]

DOM (28/9) 13:30 Est Vivo Gávea 3 [GV306]

DOM (28/9) 20:00 Est Vivo Gávea 3 [GV309]

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