Muitos poderão considerar – e não estarão totalmente desprovidos de razão – algo monótona a investigação estética de Derek Jarman em Angelic Conversation , em especial no que se refere ao ritmo marcado com que as imagens são dispostas na tela. Entretanto, não há opções aleatórias. Neste experimento realizado em 1985, o diretor trabalha a imagem a partir de uma percepção alterada. Não se trata de captar o real através de um olhar comprometido, mas de “abordar” a imagem como névoa, como sombra, difícil ou impossível de ser apreendida em sua integridade.
O público, de fato, enfrenta dificuldades para apreender aquilo a que assiste. As imagens se transformam, ameaçam adquirir múltiplos significados, como as pequenas chamas que serpenteiam como um balé de mãos (sendo esta uma entre diversas eventuais possibilidades). Jarman cria uma espessura entre imagem e texto – no caso, os sonetos de Shakespeare, lidos pela atriz Judi Dench, portadora de uma voz hipnótica, que ecoa ao longo da projeção – e ambos, de forma não reiterativa, falam de amor ou da vida alterada de modo drástico pela existência do outro.
O diretor parece trazer à tona a perspectiva da individualidade contaminada pela presença do outro. O corpo, depositário da memória, surge como a medida de todas as coisas. Não por acaso, é sacralizado, seja por meio de marcações coreográficas na maior parte das seqüências, seja na quebra do “jogo” armado (em dois rápidos instantes, quase interligados, os amantes interagem de maneira espontânea, “natural”). Entre o enigmático e a delicadeza, Derek Jarman imprime sua assinatura.
# ANGELIC CONVERSATION (idem)
Reino Unido, 1985
Direção: DEREK JARMAN
Elenco: JUDI DENCH (narração), PAUL REYNOLDS, PHILLIP WILLIAMSON
Duração: 78 minutos