Críticas


PRAÇA SAENS PEÑA

De: VINÍCIUS REIS
Com: CHICO DIAZ, MARIA PADILHA, ISABELA MEIRELES
10.12.2009
Por Luiz Fernando Gallego
A CLASSE MÉDIA NÃO VAI AO PARAÍSO (NEM AO CINEMA)

Texto publicado originalmente durante o Festival do Rio 2008



Enquanto a Zona Sul do Rio é figurinha fácil nos filmes nacionais, o nosso Rio, Zona Norte, quando visto pelo cinema brasileiro é quase sempre corolário de morros, favelas, violência, falta de oportunidades para a população mais pobre - ou mesmo miserável - desta cidade dita maravilhosa. Como se estas características tão cariocas fossem exclusividade do “além-túnel”.



O que tem mesmo ficado fora de nossas telas é a classe média-média que não vive só em Copacabana, Flamengo e Catete, classe que talvez seja uma espécie em extinção, espremida na abissal desigualdade econômica que assola o país endemicamente há tanto tempo, quase que desde sempre: das capitanias hereditárias em diante...



Mesmo quando nosso cinema recorre (e como recorre, para o bem e para o mal) ao Rio não-turístico de Nelson Rodrigues, o foco já pode ser filtrado pela lente peculiar das peças originais, às vezes transformadas em folclore de Grajaús que surgem entre o mítico de Nelson e o caricato, como em Os Sete Gatinhos (de Neville de Almeida, 1980) - e raramente atingindo a exatidão de Leon Hirzsman (e Fernanda Montenegro) na obra-prima A Falecida - mais ligado à "classe média baixa" do que à “tribo tijucana” que este filme de Vinicius Reis tenta retratar.



Pena: não foi desta vez. Assistindo o resultado final projetado no Festival do Rio 2008 foi surpreendente termos sido informados de que o projeto começou a ser elaborado em 2003, já que “elaborado” não parece um termo pertinente para o constrangedor roteiro e para o desenvolvimento dos personagens Paulo (professor), Teresa (comerciante) e a filha deles com seus 17 anos. Os atores (alguns experientes como Chico Diaz e Maria Padilha) parecem jogados em uma “improvisação” do tipo Big Brother em planos seqüência que sugerem mais o baixo orçamento para filmagem do que uma opção estética significativa . Algo como um filme insatisfatório de Domingos de Oliveira. Ritmo lentíssimo se arrastando tão interminávelmente como o verão de 2003 quando o filme é situado com alusões à invasão do Iraque e eleição de Lula, sem qualquer função mais conseqüente no todo da obra: gratuidade ou falta do que dizer, preenchendo os buracos de qualquer jeito. Não preenchendo, aliás.



Para criar um enredo básico (e pretensamente realista) temos o professor saindo à noite, aliás de madrugada (quando a verdadeira praça que dá título ao filme é um cemitério de almas vivas) para comer cachorro-quente em carrocinha de “podrão” (depois que não conseguiu comer a esposa) e travando contacto com um pai que perdeu o filho para a violência do tráfico - e que mora no morro do Borel onde o protagonista vai visitá-lo, com direito a que se fale de balas e da bela paisagem vista do alto – outro clichê em filmes mais ou menos recentes (como Era uma vez, de Breno Silveira, 2008). Como algo que não poderia faltar, escuta-se o som de tiros, reiterando a imagem pública do bairro onde, segundo um estereótipo criado pareceria ser a única localidade do Rio em que tais ameaças ocorrem. Cercado de morros com favelas dominadas pelo tráfico, tais coisas ocorrem, claro, mas não apenas ali. Só que o filme parece se sentir obrigado a não deixar de fora o que virou “característica” como se fosse exclusividade do bairro.



Ora, se era para atender à “realidade” da geografia sociológica da região, teria que haver ênfase nos idosos em grande número no bairro, no Maracanã tão próximo, nas escolas de samba – sendo que a vizinha (ou anexada) Vila Isabel se faz ouvir em um disco de Noel Rosa de um personagem que está vendendo um apartamento que Teresa gostaria de comprar sem a menor condição no momento.



Este outro desdobramento (?) do roteiro é tão ruim quanto as andanças notívagas do marido, que recebera proposta de escrever um livro sobre o bairro e no qual quer colocar a "realidade atual", mais do que a encomendada pelo editor - que prefere o sentido histórico passadista da região antes bucólica onde Capitu passou a lua-de-mel com Bentinho. Ou onde já houve maior concentração de salas de cinema de rua do que na região do Centro do Rio que ficou chamada de Cinelândia – mas hoje, na Praça do título, não há nenhum cinema... Mais do que Capitu sobre quem teremos eterna dúvida se teria feito ou não aquilo de que é acusada, Teresa vai se revelar uma neo-Madame Bovary - que, quem diria, acabou na Usina da Tijuca, porque frustrada com o marido que não sintoniza com seu sonho irrealista de pensar em um apartamento que eles não teriam a menor condição de adquirir a curto ou médio prazo.



Como se não bastasse o fiapo ficcional desta história precária, apela-se para uma cena em que o personagem Paulo entrevista o compositor Aldir Blanc no seu próprio papel de Aldir Blanc, tijucano convicto. Antiga lembrança de inserção godardiana de “personagens reais” em um filme de ficção? Seja o que tenha sido a intenção do realizador, morre na praia... como as praias que ficam tão longe da Praça Saens Peña.



A única vantagem do filme inserir o tijucano Aldir é que até então o que se vê acontecendo na tela com os personagens poderia se passar no Jardim do Méier ou na Praça Serdezelo Corrêa em Copa com a mesma classe média-média que não vai ao paraíso nem chega ao cinema brasileiro como talvez merecesse para resultar em um filme. Ou será que classe média é tão insossa que não dá samba nem filme?



# PRAÇA SAENS PEÑA

Brasil, 2008

Direção e Roteiro: VINÍCIUS REIS

Fotografia: FABRÍCIO TADEU

Edição: WALDIR XAVIER

Direção de Arte: TAINÁ XAVIER

Música Original : PEDRO LUÍS

Elenco: CHICO DIAZ, MARIA PADILHA, ISABELA MEIRELES

Duração: 100 minutos

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