O fato de se basear em eventos reais, e mais ainda, eventos já codificados por um documentário poderoso como Ônibus 174, poderia ter levado Bruno Barreto e seus roteiristas a caírem numa armadilha comum aos docudramas: sair no encalço da fidelidade, esquecendo que o cinema é terreno de criação e recriação. Felizmente, não foi o que aconteceu. O desenvolvimento de um Alessandro paralelo é o grande trunfo de Última Parada: 174. Mais que artifício de dramaturgia, o segundo Ale é uma espécie de sombra que ajuda a compor o desenho. É o rebatimento do destino do outro que se oferece para melhor compreendermos, através da ficção, como se armou essa tragédia brasileira.
Ver a história de Sandro Nascimento como uma tragédia nos afasta do caminho dos julgamentos fáceis. Nem se trata de colorir os fatos com as cores binárias do veredicto policialesco (bandido bom é bandido morto), nem dissolver tudo no lusco-fusco das razões sociais (bandido é produto do meio). Se o documentário de José Padilha e Felipe Lacerda escapava a esses juízos pelo levantamento da história e a produção de uma reflexão, o filme de Barreto o faz pela construção de um arcabouço mítico, onde entram a figura do duplo, o arquétipo dos bebês trocados, a produção do instinto maternal, as fatalidades anunciadas.
E, sejamos sinceros, a produção recente do diretor não fazia esperar a sobriedade e propriedade com que o assunto aqui é tratado. Após um começo meio burocrático, com alguns desníveis de direção, o filme se apruma com notável eficiência e passa incólume pelos inúmeros riscos que o projeto colocava. A decisão de não “concorrer” com a realidade fica clara no tratamento anti-climático dado ao seqüestro do ônibus. A condensação de ações e personagens, assim como a caracterização dissimulada de Geíza, a passageira vitimada, não soam como infidelidade, mas como uma medida de respeito ao tal evento real. Uma senha final para dizer que não importa tanto o fato, mas o seu sentido profundo em nossa consciência.
ÚLTIMA PARADA: 174
Brasil, 2008
Direção: BRUNO BARRETO
Roteiro: BRAULIO MANTOVANI
Fotografia: ANTOINE HÉBERLÉ
Montagem: LETÍCIA GIFFONI
Direção de arte: CLAUDIO AMARAL PEIXOTO
Música: MARCELO ZARVOS
Preparação de atores: RICARDO BLAT, ROGÉRIO BLAT
Figurinos: BIA SALGADO
Elenco: MICHEL DE SOUZA, CHRIS VIANNA, MARCELLO MELO JUNIOR, GABRIELA LUIZ, ANNA COTRIM, TAY LOPEZ
Duração: 110 minutos
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