Críticas


SILÊNCIO DE LORNA, O

De: LUC DARDENNE e JEAN-PIERRE DARDENNE
Com: ARTA DOBROSHI, JÉRÉMIE RENIER, FABRIZIO RONGIONE.
12.12.2008
Por Luiz Fernando Gallego
SURDO SOCO CEGO

Ao contrário de outros filmes dos Irmãos Dardenne, O Silêncio de Lorna introduz – ainda que por um instante mínimo e em seu derradeiro plano – os acordes iniciais de uma música “incidental” na trilha sonora. O tema que vai se prolongar durante os créditos finais é a “Arietta”, segundo e último movimento da última sonata de Beethoven para piano, considerada como um daqueles momentos transcendentais da música ocidental. Seu andamento é em adagio e quase não se consegue notar as primeiras espaçadas notas que funcionam como uma “berceuse” algo insólita (e que se prolongaria por uns vinte minutos se os créditos não se encerrassem bem antes). Insólita porque jamais escorrega na pieguice de tantos andantes ou adágios, mantendo a austeridade beethoveniana que se casa bem com a parcimônia emocional da narrativa dos Dardenne. Antes assim, ou teríamos um melodrama xaroposo no lugar de um surdo soco nos olhos do espectador.



Melhor do que dizer “surdo”, é mais pertinente dizer “cego”, já que há uma importante ocorrência do enredo omitida por uma polêmica elipse – que torna o fato mais desconcertante ainda. Os diretores, ao deixarem fora de cena este acontecimento surpreendente, colocam a platéia em pé de igualdade com a ignorância ou com a relativa credulidade da protagonista, cuja mudança de atitude no sentido da frieza para o envolvimento já vinha se dando, mas que de agora em diante terá que lidar com tudo o que ela havia pretendido, inutilmente, evitar.



O roteiro premiado no último Festival de Cannes ficou bem distante de uma admiração mais geral, sendo acusado por alguns de conter detalhes considerados inverossímeis, enquanto outros apontaram que seria demasiadamente explícito em suas intenções – além do questionamento quanto ao tal episódio oculto por elipse considerada até mesmo “covarde”. O fato é que os Dardenne não temem o moralismo óbvio de suas histórias: crianças não foram feitas para serem vendidas dizia o (frustrado) filme que realizaram antes deste. Agora, um casamento arranjado para obtenção de cidadania é a bola inicial da vez - mas as questões éticas vão bem mais longe quando, além da união (por dinheiro) com um drogado, a personagem Lorna, albanesa ansiosa por um passaporte belga, terá que enfrentar a possibilidade de que os mafiosos que arrumaram o matrimônio, para libertar Lorna bem rapidamente, queiram matar Claudy, o "marido de aluguel". Enviuvada, a nova belga pode servir para casar com um russo que quer a mesma cidadania que doravante é ela quem vai propiciar. Uma ciranda que pode ser macabra.



Provavelmente alheios às críticas de moralismo didático, o que os realizadores queriam expor é exposto sem meias-palavras ou entrelinhas; mas o que acham supérfluo detalhar, eles omitem sem a menor cerimônia. Afinal, faz parte do truque básico do cinema não ser apenas o que se vê, mas também aquilo que o olho não percebe e que permite a ilusão de imagens em movimento.



ATENÇÃO: OS TRECHOS SEGUINTES PODEM NÃO SER DO INTERESSE DE QUEM AINDA NÃO CONHECE O FILME E PRETENDE VÊ-LO



É assim que o desaparecimento do marido de Lorna se dá como um desaparecimento mesmo - o que pega a personagem e a platéia de surpresa. O que os olhos não vêem, aqui, o coração sente. A moça havia feito de tudo para obter um divórcio rápido, acusando o marido de espancá-la e com isso evitar que os mafiosos o matassem. Como é comum em dependentes químicos, Claudy se liga a ela de modo... dependente; e ela acaba por ficar motivada a ajudá-lo. Quando ele recai na fissura por drogas, Lorna subitamente se despe e o acolhe em uma das cenas mais “físicas” do cinema nos últimos tempos, coroando o desempenho da atriz Arta Dobroshi que captura o olhar da platéia o tempo todo tanto quanto seus olhos grandes tentam ver mais do que conseguem.



Como o marido não consegue bater nela, ela mesma bate com a cabeça na parede para obter um corte na testa (outro momento “físico”) e poder denunciá-lo.Tais inscrições corporais se chocam com a falta de inscrição visual do assassinato do marido; mas é esta falta que criará uma nova inscrição no corpo de Lorna: uma gravidez na qual só ela acredita. Como na teoria psicanalítica das idéias delirantes como tentativa de restituição de sentido para a perda de significado, é a gravidez delirante de Lorna que guiará sua alma sob tormento. Lorna, tal como nos compassos da sonata, tenta a transcendência de seu sentimento de culpa e de cumplicidade com o que aconteceu a Claudy. Mas transcender em que sentido? Para o que? Ou para onde?



# O SILÊNCIO DE LORNA (LE SILENCE DE LORNA)

Bélgica/França/Itália/Alemanha, 2008

Direção e Roteiro: LUC e JEAN-PIERRE DARDENNE

Fotografia: ALAIN MARCOEN

Edição: MARIE-HÉLÈNE DOZO

Música: Ludwig Beethoven (Arietta da Sonata 32 para piano, op.111).

Elenco: ARTA DOBROSHI, JÉRÉMIE RENIER, FABRIZIO RONGIONE, ALBAN UKAJ.

Duração: 105 minutos

Site oficial: http://www.diaphana.fr/fiche.php?pkfilms=171

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