Críticas


TROCA, A

De: CLINT EASTWOOD
Com: ANGELINA JOLIE, JOHN MALKOVICH, JEFFREY DONOVAN.
10.01.2009
Por Luiz Fernando Gallego
MÃE, INTERROMPIDA POR MENINOS E LOBOS VIRA ESTRANHA NO NINHO

Quando Richard Brooks filmou A Sangue Frio em 1967 e encerrou o filme com uma cena de pena de morte por enforcamento, o impacto foi enorme na época. O condenado caía pelo alçapão e ouvíamos as batidas do coração amplificadas se reduzindo. (Era por ausculta feita por um médico no corpo, ainda pendurado, que a morte ficava atestada, mas iso não era mostrado. A rigor, a cena era "atenuada" em realação à realidade).



Mas pode-se questionar, hoje em dia, se o fato de um filme atual, por ser inspirado em episódios reais como é dito em sua abertura, em um mundo em que tudo é visto e tudo é mostrado, ter álibi para buscar maior “realismo” exibindo a representação de enforcamento com direito às pernas do enforcado se debatendo longamente. Não dá para negar que existem filmes doentios como este A Troca, ainda que sob a aura de cineastas superestimados como é o caso de Clint Eastwood, aqui sem ritmo, incapaz de dar conta de tantas derivações do enredo. Pois a acreditarmos na alardeada fidelidade do roteiro de J. Michael Straczynski para com fatos realmente ocorridos à pobre Christine Collins na cidade de Los Angeles em 1928, o filme teria mesmo chances de se transformar nesta mistura de Garota, Interrompida com Sobre Meninos e Lobos (do mesmo Eastwood), além de ter pitadas do já antigo (mas ainda excelente) Um Estranho no Ninho. Só que a mistura desandou.



Os exegetas de Eastwood argumentarão com a reaparição do tema da “infância conspurcada” que, de fato, é encontrado em alguns de seus filmes mais satisfatórios, desde o melhor de todos, Um Mundo Perfeito, até um dos mais prestigiados, Sobre Meninos e Lobos , cabendo a ressalva de que a versão para as telas do romance de Dennis Lehane não conseguiu transmitir toda a maldição que pesava sobre o personagem de Tim Robbins - que mata o cliente de um jovem prostituto infantil, não só para defender o garoto, mas para (em mecanismo de projeção) “matar” o “lobo” que crescia dentro dele mesmo: fantasias de sexo com meninos - já que não é raro que muitos abusados sexualmente na infância, como o personagem de Robbins havia sido, passem por “identificação com o agressor” (e/ou por fixação) e se transformem em novos pedófilos, numa epidemia transgeracional que sustenta círculo vicioso. Era por ter noção de seu desejo pervertido que o personagem não podia se defender da suspeita de outro crime com o qual nada tinha a ver.



No novo filme de Eastwood repete-se a cena similar de um automóvel que recolhe crianças, roubando-as do convívio familiar. Alguma coisa neste sentido teria ocorrido a Walter Collins de nove anos, o filho de Christine (Angelina Jolie) supostamente encontrado pela polícia 5 meses depois.



Sabemos de dramáticas ocorrências semelhantes a esta em que mães aceitam como se fossem seus filhos outras crianças que se passam por elas (Olivier, Olivier de Agnieszka Holland, 1992). Com Christine Collins, o contrário teria acontecido: ela não reconhece o menino trazido pela corrupta Polícia de Los Angeles como o seu Walter. E ao cutucar o leão com vara curta, come o pão que diabo amassou. É aí que entram cenas de hospício que devem ter feito que pensassem na Sra. Brad Pitt para o papel (antes disputado por Hilary Swank e Reese Witherspoon). Seu desempenho atual se salva do overacting que lhe deu um Oscar pelo papel de louca exagerada em Garota, Interrompida. Ela está bem melhor do que, por exemplo, em Alexander - o que não chega a ser uma grande vantagem, tal o horror que foi seu desempenho naquele desastre. Na verdade, agora a estrela se mantém em uma espécie de “zona de segurança”, com uma neutralidade que nem sempre convence como a tal mãe em situação tão desesperadora. O que não impede que sua personagem (mais do que sua interpretação) venha a receber prêmios em breve: ela já está sendo indicada.



É uma pena, porque cabe a ela carregar o filme nas costas, estando em foco quase o tempo todo (e que tempo!). O restante do elenco não ajuda muito mais: Jeffrey Donovan burocrático como bad guy e John Malkovich, caricato como em outras aparições mais recentes: não se sabe se ele está pretendendo interpretar um demagogo que diz ter a “missão” de denunciar o aparato policial corrupto, se o personagem é histriônico... ou se é o ator que não consegue fugir de seu próprio histrionismo. Amy Ryan bem que se esforça, mas tem pouco a fazer em uma aparição breve de personagem pouco verossímil. (Aliás, para a porção Estranho no Ninho do filme, ela leva um “eletrochoque” tão indevido, mas tão indevido... que esta forma de tratamento psiquiátrico nem existia em 1928).



Em outros papéis, Jason Butler Harner surge mais bizarro do que o personagem que super-interpreta (mal), enquanto o adolescente Eddie Alderson fica entre péssimo e ridículo em papel exigente, muito acima de suas capacidades.



A irregularidade do elenco que vai do insípido à canastronice é sintomática da fragilidade da direção atual de Eastwood. Ele parece preocupado em dar ênfase aos fatos, que são mobilizantes, sem dúvida – e que mantêm o interesse do espectador... mas o relógio começa a ser olhado com uma hora de filme (e a duração é de duas e vinte!). E acaba derrapando numa clave sensacionalista que a real Christine Collins talvez não aprovasse.



Cercado de condições de produção, Eastwood pode conseguir resultados mais satisfatórios em produções que visam mais diversão ficcional do que “realidade” (como em Poder Absoluto e Dívida de Sangue), mas já fracassou redondamente em Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal e no dramalhão supervalorizado Menina de Ouro. Bons roteiros lhe deram boas oportunidades em Os Imperdoáveis, Sobre Meninos e Lobos, A Conquista da Honra e, principalmente, Um Mundo Perfeito. O presente roteiro parte de um gancho capaz de mobilizar as platéias (desaparecimento de uma criança) mas acaba atirando em tantas direções (polícia corrupta, psiquiatria como órgão de repressão, etc) que as falhas do tratamento dado e da direção se tornam insustentáveis.



# A TROCA (CHANGELING)

EUA, 2008

Direção: CLINT EASTWOOD

Roteiro: J. MICHAEL STRACZYNSKI

Fotografia: TOM STERN

Edição: JOEL COX e GARY ROACH

Música: CLINT EASTWOOD

Elenco: ANGELINA JOLIE, JOHN MALKOVICH, JEFFREY DONOVAN.

Duração: 141 minutos

Site oficial: http://www.changelingmovie.net/



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