O conto original de F. Scott Fitzgerald, O Curioso Caso de Benjamin Button, é pouco mais do que anedótico, partindo da premissa nonsense de um personagem que nasce idoso e, na medida em que o tempo passa, vai ficando cada vez mais jovem. O escritor não se preocupa em dar qualquer explicação para o fato de Benjamin Button nascer do tamanho de um adulto, ainda que provavelmente encarquilhado; aliás, salvo engano, sua mãe nem é mencionada no conto.
A narrativa é episódica, com dissimulado humor em entrelinhas de pessimismo. Quase que se limita aos desencontros de uma vida que segue “ao contrário” das demais: quando tem poucos anos de vida não se interessa por atividades de jardim-de-infância e encontra companhia satisfatória em seu avô; bem mais tarde, envergonha seu filho por estar com a aparência muito mais jovem e interesses infantis, chegando a brincar com os soldadinhos de chumbo de seu neto. Fitzgerald não acentua o absurdo da situação: deixa que o absurdo evolua por si mesmo; nem faz qualquer alusão a reflexões filosóficas, metafísicas ou sociológicas. Neste sentido, o conto chega a ser desconcertante, deixando nos leitores a dúvida se uma idéia insólita foi desenvolvida aquém de suas possibilidades, ou se Fitzgerald pretendeu "apenas" demonstrar que o sonho do rejuvenescimento, mesmo que se realizasse, não passaria de mais uma passagem transitória com o mesmo desenlace dos que envelheceram: mais cedo ou mais tarde, todos morreremos: "... tudo havia se dissipado em seu espírito como um sonho inconsistente, como se nunca houvesse acontecido. Não se lembrava. Não se lembrava sequer, claramente, se o leite era quente ou frio em sua refeição anterior (...) Depois, já não conseguia recordar coisa alguma. Quando sentia fome, chorava - nada mais. Apenas respirava através dos dias e das noites e, sobre ele, havia suaves murmúrios e ruídos que mal ouvia, e odores levemente diferentes, e luz e treva. Depois, tudo se tornou escuro, e o berço branco, e os vagos rostos que se moviam em torno, e o cálido e doce aroma do leite, se disiparam de todo de sua mente." (da tradução de Brenno Silveira)
O roteiro do filme praticamente usa o conto original apenas como argumento - ou pretexto -, seguindo caminhos muito diversos. Benjamin nasce um bebê com o mesmo tamaninho dos recém-nascidos, mas com sinais de envelhecimento precoce que talvez indicassem sua morte a curtíssimo prazo – o que não acontecerá. Mas, ao contrário da premissa literária, o bebê enrugado não pensa nem fala desde que nasce como acontece com o velho do conto - ou seja, seu “amadurecimento” intelectivo segue o curso habitual das faixas de idade no sentido de ir ganhando gradualmente consciência de si mesmo e do mundo à sua volta. Com isto, o que aguarda o menino em que Benjamin irá se transformar com o passar das décadas é uma perda de memória e de identidade pessoal, o que será diagnosticado como uma espécie de “demência” (no sentido de senilidade), embora ele esteja se transformando fisicamente em bebê. Portanto, no filme ele nasce bebê (envelhecido) e cresce como jovem até ficar novamente um bebê - agora e finalmente como os outros.
Mais de oitenta anos depois que o conto foi publicado, o aspecto mais interessante para os tempos atuais em que “não se pode envelhecer” é a idéia, reiterada pelos diálogos, de que a juventude aparente na idade madura e na velhice cronológica não será jamais uma “perfeição que dure”. Pois a vida sempre se extingue, sejamos velhos ou jovens - de fato ou apenas na aparência. Para dar este recado o roteiro é prolixo e resulta em um filme mais longo do que o necessário. Há algumas boas idéias, como a de fazer Benjamin ser adotado por uma mulher que trabalha em um lar de idosos onde a morte se faz presente com freqüência e onde ele convive com velhos – tal como é seu rosto, pele, corpo (exceto pelo tamanho de um menininho, depois um garoto, mais adiante um rapazola...) Mas há detalhes “poéticos” totalmente dispensáveis como as cenas do beija-flor em alto mar e na “atualidade”, quando chega o furacão Katrina em New Orleans (uma alusão às adversidades absolutamente naturais que podem nos matar quando menos esperamos?)
O encontro com uma mulher que ele conheceu quando ela era uma menina (com aparência de menina numa época em que ele parecia – ou era mesmo - um velho decrépito com pouca idade) só se dará na meia-idade de ambos. Afinal, seria preciso um cruzamento entre o futuro cronológico de um e o passado biológico de outro. A idéia já existia no conto, mas a fidelidade do homem (cada vez mais jovem) para com a mulher (cada vez menos) segue por outra vereda no filme. Para atender a estas evoluções/involuções, a produção providencia um show de maquiagem para os atores principais: Cate Blanchett comparece com a classe habitual embora desta vez chame menos a atenção do que de hábito; e Brad Pitt consegue um bom desempenho, ajudado pela discrição com que vive o personagem - um bom truque para atores sem recursos excepcionais.
Uma espécie de prólogo em ritmo de fábula moral mostra um relojoeiro que constrói um relógio que “anda para trás” como se isto pudesse fazer retroceder o tempo e devolver à vida seu filho morto na guerra. Como se vê, tudo é muito explicado, tautologicamente, ao som de trilha musical “climática” de Alexandre Desplat (De Tanto Bater, Meu Coração Parou, O Despertar de uma Paixão) com imagens captadas por uma fotografia contrastante e preciosista. Enquanto o filme transcorre em seu ritmo pausado (o que hoje em dia pode até ser uma qualidade), a platéia tende a se deixar envolver, mas quando termina, deixa em aberto o quanto de “envolvimento” foi necessário para enfatizar que a juventude, seja em ordem cronológica, seja detráspráfrente, vai passar...
# O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON (THE CURIOUS CASE OF BENJAMIN BUTTON)
EUA, 2008
Direção: DAVID FINCHER
Roteiro: ERIC ROTH, ROBIN SWICORD
Produção: CEÁN CHAFFIN, KATHLEEN KENNEDY, FRANK MARSHALL
Música: ALEXANDRE DESPLAT
Fotografia: CLAUDIO MIRANDA
Elenco: BRAD PITT, CATE BLANCHETT, TILDA SWINTON, JULIA ORMOND
Duração: 165 minutos