Ao lado de lamentáveis excrescências da recente safra de filmes americanos candidatos a prêmios (como A Troca e O Leitor) este O Lutador não passa de outra empulhação mal disfarçada por enquadramentos estetizados, tomadas de câmera movimentada e edição pertinente. Tudo isso – e mais a entrega do casal de atores principais aos seus personagens - está, infelizmente, a serviço apenas de um lamentável dramalhão de boxe, ou melhor, de “luta combinada” (catch, como também se diz deste espetáculo deprimente de porradaria no qual o masoquismo dos lutadores também não se disfarça como "arte" de levar e dar porrada para o prazer primitivo e doentio, nostalgia atávica por gladiadores e leões em arenas).
O melodrama sado-masoquista na linha de Menina de Ouro faz escola. E desta vez recebeu o Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2008. É coisa para os que conseguirem tolerar a sangreira em cascata na primeira meia-hora de filme, quando até grampo (grampo mesmo, de grampeador) é usado para furar e fixar na pele do adversário. Tudo combinado e consentido antes. O que não impede que penetre na pele, sangre e provoque dor. Ótimo para quem curte dor ou assisitir barbárie doentia.
Muito sangue escorre em um “retrato” excessivo sobre esse tipo de show, quando o filme já poderia ter se dado por satisfeito com o que mostrou antes: o pedaço de gilete que o personagem usa para se cortar e garantir o “efeito não especial” durante a luta. Consta que Mickey Rourke realmente cortou a testa para dar realismo à cena. Cabe a indagação: perdeu-se o espaço da representação como tal? E que tal como em filmes pornográficos, passará a ser exigida a exibição realista em “um por um”?
ATENÇÃO: O parágrafo abaixo contém informação sobre o (ainda que bem previsível) desfecho do filme
No mais, foi só trocar a falecida Libertad Lamarque dos dramalhões mexicanos ou argentinos (ou a Sarita Montiel dos equivalentes espanhóis, com direito a morte em cena das cantoras interpretadas pela cantriz) pelo Mickey Rourke com o rosto deformado (de verdade) pelos socos que levou em ringues quando o ator resolveu investir na carreira de boxeador. Feitas as devidas (e indevidas) adaptações de Sarita para Mickey, o que encontramos é... the same old story. Preenchida por discurso piegas do personagem antes da última luta para deixar bem claro que seu coração é mais maltratado fora dos ringues do que nas lutas. Sem comentários. Tudo vem embalado em tomadas preciosistas, cacoete já conhecido de Darren Aronofsky: o que esperar de quem assinou Fonte da Vida e Réquiem por um Sonho? Melhor ver ou rever o DVD de outro “réquiem”, o Réquiem por um Lutador (1963), um dos raros filmes memoráveis de, no restante, esquecível diretor, Ralph Nelson.
Pena o desperdício de Rourke e de Marisa Tomei (incrível como ela se sai bem no estereótipo de “stripper de alma boa” e que dá força ao - outro clichê - lutador decadente) em um filme que é como um vinho velho e avinagrado em (apenas aparente) embalagem nova.
# O LUTADOR (THE WRESTLER)
EUA, 2008
Direção: DARREN ARONOFSKY
Roteiro: ROBERT D. SIEGEL
Fotografia: MARYSE ALBERTI
Edição: ANDREW WEISBLUM
Direção de Arte: MATTHEW MUNN
Música: CLINT MANSELL
Elenco: MICKEY ROURKE, MARISA TOMEI, EVAN RACHEL WOOD.
Duração: 115 minutos
Site oficial: www.foxsearchlight.com/thewrestler