Críticas


ENTRE OS MUROS DA ESCOLA

De: LAURENT CANTET
Com: FRANÇOIS BÉGAUDEAU, LAURA BAQUELA, NASSIM AMRABT
21.03.2009
Por Luiz Fernando Gallego
ABISMO ENTRE ALUNOS E MESTRES

Uma tradição cinematográfica norteamericana já rendeu muitos filmes passados em sala de aula, o que fez vários atores e atrizes encarnarem mestres dedicados na condução de turmas de estudantes mais ou menos problemáticos. Alguns mais populares terão sido Glenn Ford em Sementes de Violência (1955), Sidney Poitier em Ao Mestre, com Carinho (1967), Sandy Dennis em Subindo por onde se desce (1967) e Michelle Pfeiffer em Mentes Perigosas (1995).



O cinema francês também vem abordando problemas educacionais desde o clássico Zero de Comportamento de Jean Vigo em 1933. Em exemplos mais recentes, os franceses trazem menos dramaturgia piegas do que se inclinam os roteiros dos filmes americanos; e buscam maior realismo na abordagem dos conflitos de professores esforçados e graves questões dos (e com) seus alunos - quase sempre de classe sócio-econômica menos favorecida, como no sensível Quando Tudo Começa, de Bertrand Tavernier (1999) que denunciava sérias imperfeições no sistema escolar público de seu país. Mais recentemente, tivemos o documentário Ser e Ter, de Nicholas Philibert (2002), dedicado a um tipo de escola do interior da França (em extinção), com um mesmo professor para vários alunos de diferentes idades, ainda que próximas, no que seria uma espécie de nosso “curso primário” inicial.



Assumindo um feitio semidocumental, Entre os Muros da Escola mostra-se especialmente feliz no uso do que já seria uma convenção de gênero cinematográfico, o “filme de escola”, mas aproveitando o microcosmo da sala de aula para tratar de questões tão graves quanto as vicissitudes do ensino público atual em tantos países: a diversidade cultural dos alunos em confronto com o que teria se acomodado pedagogicamente como um ensino universalista. É assim que neste filme encontraremos negros, árabes e chineses entre os alunos do professor Marin, interpretado de modo bem vivo por François Bégaudeau, também autor do livro original que ele mesmo ajudou a roteirizar para o cinema.



Podem ficar aliviados os que temiam a reincidência do tom mal-resolvido entre moralismo e pieguice do filme anterior de Laurent Cantet, Em Direção ao Sul (2005) - que pretendia denunciar o turismo sexual predatório de mulheres abonadas do Primeiro Mundo em um Haiti ditatorial dos anos 1980. Desta vez, o cineasta volta a se mostrar mais próximo da neutralidade de A Agenda, de 2001, quando abordou o desemprego causado pela fúria desencadeada na prática de “reengenharia” administrativa da cartilha neoliberal que na crise econômica atual mostra o resultado de seus dentes e garras. O formato “descritivo” de A Agenda, entretanto, não deixava de lado uma reflexão emocionada sobre o drama do desempregado que fingia sair para trabalhar, ocultando dos familiares a (injusta) vergonha de ter sido despedido. E é no humor e em cenas que se destacam pela espontaneidade afetiva que está o melhor deste Entre les Murs.



Há várias passagens em que os alunos não entendem as regras da “língua culta” que, do ponto de vista adolescente, “não é do jeito que se fala”, “não se usa para nada” (até porque tais jovens mal leem - ou simplesmente não leem). Mas estes momentos freqüentes no filme parecem apontar para um abismo ainda mais amplo: o que a escola teria a oferecer e o que os alunos esperam encontrar num mundo que vem sofrendo aceleradas mudanças permanentemente.



O mestre tenta que se interessem pelo diário de uma adolescente como eles, e, como eles, discriminada em seu tempo, vítima de preconceito e racismo: Anne Frank. Os resultados parecem mornos. E, de um modo geral, como atender ao professor que dá aula de História e que neste período escolar vai abordar uma determinada época e solicita ao colega que leciona Francês que tente programar a leitura de romances da mesma época? Um dos escritores sugeridos seria Voltaire. Mas “por que e para que ler os clássicos?” – parece ser o que Marin teme escutar de seus alunos e cada vez mais não conseguir a comunicação identitária mínima com eles.



Enquanto retrata o dia-a-dia escolar, o filme evolui muito bem, conseguindo transmitir questões mais específicas das divergências culturais de nosso tempo, mas sem deixar de apontar para características genéricas dos jovens de qualquer extrato social, tal como a inconseqüência adolescente (que foi exemplarmente exposta no subestimado Alpha Dog (2007), de Nick Cassavetes).



A arrogância, impulsividade e falta de polidez dos rapazes e moças dos banlieues distantes das “áreas nobres” de Paris vai levar os esforços do professor branco e culto (no sentido da “alta cultura”) a desafios cada vez mais difíceis de contornar. E é em uma vertente de insinuação minimamente dramatúrgica do enredo que encontramos seu ponto menos satisfatório.



O TRECHO EM SEGUIDA PODE NÃO INTERESSAR A QUEM AINDA NÃO ASSISTIU AO FILME E PRETENDE FAZÊ-LO



Os conflitos se exacerbam de modo previsível, o que não deixa de ser verossímil, mas enquanto a “solução” do que a escola faz com o “aluno-mais-problema” atende ao realismo de uma “saída” cômoda para a instituição, a resolução do filme em uma de suas últimas cenas (vista à exaustão nos trailers) quando uma aluna diz que leu Platão, resvala no convencionalismo de velhos manuais de roteiro.



Mais do que a verossimilhança, nos filmes tradicionais “de escola” quase sempre o que se buscava era um desfecho de “falso realismo” que incomodasse menos o espectador; este deveria encontrar no filme um “apaziguamento” criado por algum fato e/ou fala mais idealizados do que coerentes com o desenvolvimento anterior. Da mesma forma, a “união” de alunos e professores em torno de uma bola de futebol enquanto as salas de aula se mostram vazias ao final do período sugere mais uma indefinição do roteiro do que um “final aberto”. Mas estes senões não são suficientes para retirar o interesse que o filme vem despertando.



# ENTRE OS MUROS DA ESCOLA (ENTRE LES MURS)

França, 2007

Direção: LAURENT CANTET

Roteiro: LAURENT CANTET, ROBIN CAMPILLO, FRANÇOIS BÉGAUDEAU, baseado em livro deste último.

Fotografia: PIERRE MILON, CATHERINE PUJOL, GEORGI LAZAREVSKI.

Edição: ROBIN CAMPILLO e STÉPHANIE LÉGER.

Elenco: FRANÇOIS BÉGAUDEAU, ESMÉRALDA OUERTANI, RACHEL RÉGULIER, FRANCK KELTA, WEI HUANG, JEAN-MICHEL SIMONET.

Duração: 128 minutos

Site oficial: www.sonyclassics.com/theclass

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