Os blockbusters rentáveis abriram caminho para a existência de sequências dos filmes, já que, devido à filosofia dos produtores, uma obra que fatura milhões pode se transformar em uma franquia. Sendo assim, a chancela do “produto” gera dividendos por anos a fio. Nada contra a política mercadológica; afinal, se há demanda por parte do público, então, deve-se aproveitá-la. Pois não se pode esquecer que o cinema é também um negócio. Mas na questão das continuações ocorre uma bifurcação natural entre aqueles produtores que entregam mais do mesmo e não desenvolvem o material a contento, cujo objetivo exclusivo será o faturamento (Halloween a partir do terceiro filme, Hellraiser, Jogos Mortais); e aqueles que pensam o projeto e até tentam melhorá-lo de alguma forma (Star Wars, Star Trek, Evil Dead).
O que se imagina do termo “continuação” é que uma história seja contada em progressão, como se a cada película o personagem fosse melhor apresentado e se encaminhasse para um grande clímax – no que se assemelharia ao acompanhamento de temporadas de seriados televisivos. Mas o cinema resolveu buscar uma alternativa quando um determinado filme parece já ter esgotado seu apelo e aponta para um “beco sem saída” tanto para roteiristas quanto para os fãs. A manobra confeccionada chama-se prequel - em que se remonta aos primórdios de um personagem ou narrativa para mostrar ao público algo que não está bem esclarecido. Essa medida, obviamente, gera desconfiança por parte do espectador, que não acredita como tal estrutura pode gerar interesse e ser tão bem realizada quanto as partes originais. Porém, tudo está ligado à maneira com que se conduz o projeto: se é um puro e simples caça-níquel ou se realmente ganha uma autonomia para justificar a sua existência. Há casos e casos, como sempre. Especificamente na análise de uma das últimas prequels a chegar aos cinemas brasileiros, Hannibal – A Origem do Mal, de Peter Webber. O resultado final é lamentável no qual se transforma um personagem fascinante (Hannibal Lecter) em um jovem sádico, mas, sobretudo, retira-se o encanto de sua natureza ambígua ao colocar tudo em um plano concreto e de maneira psicologizante deplorável, como se os fins justificassem os meios em que o espectador se pega a esbravejar: “ah, então, é por isso que ele é tão ruim”. Já a prequel de Anjos da Noite, que surge nos cinemas com o subtítulo de A Rebelião, se não aponta um novo caminho nesse sentido, ao menos, se concretiza na tela de maneira eficiente, como um filme que remete, sim, às origens dos personagens, mas também se articula como uma aventura solitária.
O escrutínio da série cinematográfica Underworld (título original) não é positivo, em especial, por sua característica de modernizar mitos (vampiros e lobisomens) ao se filiar a um cinema espetaculoso que impera dentro da Hollywood das duas últimas décadas: tiros, movimentos incessantes, câmeras lentas despropositadas, uma estilização estéril e uma montagem que dificulta o andamento das cenas. É uma proposta de realização vazia em que o conceito é refém de si próprio: como causar medo no espectador sem que este mesmo consiga pressenti-lo? O susto vem somente com os efeitos sonoros exagerados, na maioria dos casos, sem que haja uma decupagem precisa da essência das cenas. Isso se faz presente nessa “assinatura” de Len Wiseman, realizador dos dois primeiros filmes. Entretanto, se Patrick Tatopoulos comete alguns erros semelhantes, como na aceleração das sequências de ação, ele também apresenta um artesanato eficiente em que a história passa a ser o centro, bem como o desenvolvimento dos personagens, ainda que minimamente. Está certo que sua tarefa fica um pouco facilitada, pois basicamente o filme trabalha com duas locações (castelo e floresta), o que faz com que a dispersão dos anteriores seja renegada nesse episódio.
Anjos da Noite: A Rebelião é estruturado a partir da temática do senhor soberano (vampiros) e de seus escravos (lycans, que são um híbrido de homem e lobisomem). Uma divisão clássica de aventuras do passado em que o herói é forjado através de motivações pessoais (amada) e uma causa (a liberdade da espécie). O discurso de opressor e oprimido está ali, mas é numa estranha tragédia shakespeariana que a narrativa se desenrola, com traição, luxúria e busca pelo poder. O que gera, sem dúvida, algum peso demasiado para os personagens; ainda que se conte com bons intérpretes (Michael Sheen e Bill Nighy), é no cinema puro e direto de ação, aos moldes de Conan – O Bárbaro, de John Millius, que Anjos da Noite: A Rebelião consegue ganhar corpo e fluência, mesmo que os cortes sempre trabalhem para destituir o artesanato das cenas criadas por Tatopoulos.
# ANJOS DA NOITE: A REBELIÃO (Underworld: Rise of the Lycans)
Eua/Nova Zelândia, 2009
Direção: PATRICK TATOPOULOS
Roteiro: DANNY MCBRIDE, DIRK BLACKMAN e HOWARD MCCAIN
Fotografia: ROSS EMERY
Edição: ERIC POTTER e PETER AMUNDSON
Elenco: MICHAEL SHEEN, RHONA MITRA, BILL NIGHY, STEVEN MACKINTOSH e KEVIN GREVIOUX
Duração: 92 minutos
Site oficial: http://www.entertheunderworld.com/