Divã , livro de Martha Medeiros, é repleto de observações existenciais perspicazes inseridas de modo despretensioso. A personagem principal, Mercedes, tem plena consciência da morte e, por isso mesmo, procura aproveitar o tempo da melhor maneira possível. “O fim nunca é bom porque se fosse bom seria o começo”, afirma, mas sem cair na melancolia, sinalizando um estado de luto que não diz respeito “apenas” à morte, mas ao término de relacionamentos ou a um período de hiato decorrente de uma fase de transição. Professora de matemática, busca no hobbie da pintura “o que em mim não se enquadra”. E, ao se dar conta de que seu casamento caiu na acomodação, vai parar no psicanalista, onde tem sua primeira surpresa, logo que chega: “tudo sou eu?”, pergunta.
Martha Medeiros viajou bem para o teatro. Ernesto Piccolo, diretor da montagem que contava com Lilia Cabral, Marcelo Valle e Gisele Fróes (a partir de um dado instante substituída por Alexandra Richter) no elenco, conseguiu imprimir uma dinâmica adequada à transposição do material para o palco. A decisão de concentrar num único ator (Valle) os homens da vida de Mercedes propiciou uma divertida versatilidade. Determinadas passagens, como a das conversas concomitantes (mas ocorridas em tempos diversos) entre os personagens, também resultaram melhor na simplicidade de recursos do teatro.
No cinema, sob a direção de José Alvarenga Jr., tudo ficou um pouco mais convencional, com José Mayer interpretando Gustavo, o marido, e Reynaldo Gianecchini e Cauã Reymond, os namorados – o primeiro, que tem medo de se envolver, e o segundo, símbolo da necessidade de Mercedes de recuperar uma juventude. Tudo também soa um tanto expandido no roteiro de Marcelo Saback (responsável pela adaptação do livro de Medeiros para o teatro), com os personagens dando vazão a uma verborragia algo excessiva, apesar do filme não ultrapassar a marca dos 90 minutos de duração, feito cada vez mais raro nos dias que correm. Algumas soluções, como a das imagens em flashback do casamento entre Mercedes e Gustavo, seguem o padrão estético esperado: textura granulada, cores realçadas e um certo desfocado.
A fotografia de Nonato Estrela busca ainda resolver as passagens ambientadas no consultório de psicanálise através de uma câmera que registra o rosto de Mercedes a partir de ângulos variados. O espectador não chega a ser colocado no lugar do psicanalista quase invisível, opção que poderia resultar numa inclusão interessante. Nos figurinos de Ellen Milet predominam cores suaves, com destaque para o azul. A trilha sonora de Guto Graça Mello adquire dispensável função explicativa. Em que pesem todas as restrições, as competentes Lilia Cabral e Alexandra Richter, do elenco original, permanecem. E há um ganho inegável: a ótima presença da atriz Vera Mancini, em rápida participação, como uma inconveniente conhecida de Mercedes.
# DIVÃ
Brasil, 2009
Direção: JOSÉ ALVARENGA JR.
Roteiro: MARCELO SABACK
Produção: IAFA BRITZ, MARCOS DIDONET, VILMA LUSTOSA, WALKIRIA BARBOSA
Fotografia: NONATO ESTRELA
Figurinos: ELLEN MILET
Trilha Sonora: GUTO GRAÇA MELLO
Elenco: LILIA CABRAL, JOSÉ MAYER, ALEXANDRA RICHTER
Duração: 90 minutos