Várias características do cinema praticado por Alain Resnais podem ser reconhecidas em Beijo na Boca, Não! , transposição cênica da opereta homônima, escrita em 1925 por André Barde e Maurice Yvain. Esta produção de 2003 – realizada, portanto, entre Amores Parisienses e Medos Privados em Lugares Públicos -, que desembarca com considerável atraso no circuito brasileiro, traz marcas conhecidas do diretor, como o aproveitamento do contraste cômico entre americanos e franceses, o investimento no campo musical e a utilização de espaços fechados. Apesar disto, o resultado alcançado esbanja vitalidade.
Logo nas passagens iniciais, algumas qualidades do cineasta são evidenciadas diante do espectador, a exemplo da habilidade em trabalhar com o afetado, o artificial. Os personagens ostentam joias, trajam vestidos brilhosos e exuberantes, transitam por uma cenografia notadamente fake, comem (na verdade, olham mais do que comem) doces açucarados. A cor adquire especial importância, de acordo com a disposição de tons pelas poucas ambientações.
Em dois atos bem marcados (o primeiro localizado em salas acopladas e o segundo, menor, numa garçonière), Resnais dá vazão a divertidos encontros e desencontros amorosos a partir do momento em que Gilberte Valandray (Sabine Azéma) decide esconder do marido, o industrial Georges (Pierre Arditi), que foi casada anteriormente – com Thomson (Lambert Wilson), americano que chega para tratar de negócios. Resnais cria saborosas passagens musicais: em especial, entre Gilberte e Thomson e entre ele e as moças que insistentemente pedem um beijo.
Em meio a um elenco que conta com as presenças de Isabelle Nanty, Jalil Lespert, Daniel Prévost e Audrey Tautou, vale destacar a participação de Darry Cowl, como Madame Foin. A graça também predomina nas sátiras às vanguardas e a certo estereótipo de teatro experimental. Ingredientes de uma deliciosa brincadeira que inclui o espectador, tendo em vista que os atores constantemente olham para a câmera e conversam com o público chegando, vez por outra, a pedir sua cumplicidade. Além de “atualizar” um gênero de época, como a opereta, Alain Resnais evoca, a partir de um procedimento cinematográfico, uma relação direta, em tempo presente, como no teatro.
# BEIJO NA BOCA, NÃO!
França, 2003
Direção: ALAIN RESNAIS, a partir de opereta de ANDRÉ BARDE (libreto), MAURICE YVAIN
Produção: BRUNO PÉSERY
Fotografia: RENATO BERTA
Elenco: PIERRE ARDITI, SABINE AZÉMA, LAMBERT WILSON, AUDREY TAUTOU
Duração: 115 minutos