O futebol seria muito melhor se após os gols da seleção brasileira a Globo concedesse em nos poupar do Brasiiiilll!!! que inevitavelmente segue-se a eles. Essa patriotada eletrônica tem como melhor efeito fazer com que qualquer brasileiro com mais de três neurônios pense duas vezes antes de torcer pelo próprio país. Mas torcemos, afinal - porque o futebol brasileiro é mais do que isso, merece mais do que isso.
Esse brado idiotizante está presente em cada minuto de Jean Charles. É permanente e enervante como as cornetas dos torcedores na África do Sul. A má notícia é que Jean Charles não tem o retrospecto do futebol de Kaká. Sem isso, é como se fossemos forçados a ouvir Galvão Bueno vibrando duas horas na terceira divisão do campeonato piauiense – e tentando extrair daí o orgulho de ser brasileiro.
Em meio a um enfadonho cotidiano de brasileiros vivendo de pequenos negócios em Londres – que vão do trabalho ilegal na construção civil ao pequeno tráfico de drogas leves – delineia-se um perfil de imigrantes nacionais na Europa, com a profundidade de um pires de leite. São conflitos tacanhos, diálogos um ponto abaixo do banal, sustentados como podem pela presença de Selton Mello, de longe o melhor ator brasileiro de sua geração.
Nesse ambiente, os 93 minutos do filme, que parecem 350, constroem uma retórica ufanista que vai explodir ao final, numa série de seqüências francamente constrangedoras. Uma delas, torturando descaradamente a verdade, sustenta que a polícia inglesa, sem ter nada melhor para fazer, decide invadir um vagão do Underground para disparar sobre um brasileiro que estava ali sentado, esperando o trem partir. Isso não é livre inspiração em fatos reais. Trata-se apenas de uma mentira. O brasileiro foi alvejado após pular sobre uma catraca na estação de Stockwell.
A segunda promove uma interminável romaria entre bandeiras nacionais, passeatas, choramingos e frases patrióticas de saudação ao mártir executado pelos ingleses. Não fosse um desagravo à vítima do inusitado ódio britânico contra os nativos do Brasil, pareceria um documentário sobre os funerais de Ayrton Senna.
Seria bom se Jean Charles fosse apenas uma crônica mal construída sobre a vida de brasileiros que vão tentar a vida na Inglaterra. Não é. O filme pretende ser uma declaração de guerra ao Reino Unido, o que também, por razões que parecem óbvias, não consegue. Jean Charles é então, pura e simplesmente, a celebração da superioridade da raça brasileira. Teria sido pior se o filme fosse alemão.
# JEAN CHARLES
Brasil, 2009
Direção: HENRIQUE GOLDMAN
Roteiro: HENRIQUE GOLDMAN, MARCELO STAROBINAS
Produção: CARLOS NADER, HENRIQUE GOLDMAN, LUKE SCHILLER
Produção Executiva: NICKI PARTIFF, REBECCA O’BRIEN, SEPHEN FREARS, TRISTAN WHALLEY
Fotografia: GUILLERMO ESCALÓN
Música: NITIN SAWHNEY
Elenco: SELTON MELLO, VANESSA GIÁCOMO, LUIS MIRANDA, PATRICIA ARMANI
Duração: 93 minutos