O cinema, como toda e qualquer forma de arte, está em constante movimento. A cada ano ou época acontecem mudanças significativas no cenário e que reconfiguram países e filmes para estabelecerem uma nova ordem. Não que o que era feito até então passa a ser ignorado, mas sim apontam caminhos e trazem frescor para o universo cinematográfico. Se nos anos 90 houve a explosão do cinema iraniano, com Abbas Kiarostami (Close Up) como principal nome entre uma série de realizadores; e a influência significativa do movimento Dogma 95, capitaneado por Lars Von Trier (Os Idiotas), que colocou a Dinamarca como um centro de referência de realização, agora nos chamados anos 00 houve um direcionamento para cinematografias distintas e que não atraíam tanto atenção por parte de crítica e público: Filipinas, com nomes como Brillante Mendoza, que acaba de receber o prêmio de melhor direção em Cannes por Kinatay; Israel, que já contava com a filmografia consistente de Amos Gitai (Kedma) desde os anos 80; e Romênia, que emergiu à força da Palma de Ouro em Cannes para 4 Meses 3 Semanas e 2 Dias, de Cristian Mungiu, e um grupo de filmes premiados em festivais. E, obviamente, que um grande número de longas desses países começam a despontar em mostras e chegarem até mesmo a distribuição, o que não endossa mesmo o valor de todo e qualquer filme proveniente das três localidades. É exatamente nessa direção que aponta Casamento Silencioso (Nunta Muta), de Horatiu Malaele, que está banhado por essa aura cult do momento e não justifica em nada a sua presença em circuito nacional.
O entendimento da cultura de um país parece sempre estar relacionado a observação de seus costumes. Até esse ponto nada de errado, porém algumas obras partem do exotismo como fonte de inspiração para deflagrar as diferenças entre o espectador estrangeiro e a região. Não basta ser uma história cotidiana - como no ótimo Não se Mova, Morra e Ressuscite!, de Vitali Kanevsky, que se preocupa com o registro dos habitantes da Sibéria nos anos 40 e não com elementos farsescos e estereotipados de construção de tipos -, já que a busca do fascínio do olhar tem que se apoiar no contraste e no choque da existência do outro. Nesse sentido, nada melhor e tão usual quanto a estruturação de roteiro a partir de um casamento, pois é um evento em que se permite uma licença poética para que os personagens evidenciem as suas particularidades.
Casamento Silencioso tem início com uma equipe de televisão em busca de eventos paranormais, que tem uma encenação pobre e que é, na verdade, apenas uma mera desculpa dos roteiristas para contarem a história em flashback, e se aproveitarem do gancho montado para passarem uma mensagem, que está óbvia na narrativa, no fim. O diretor deixa claro a utilização do expediente de escolhas estéticas para diferenciar os dois tempos narrativos: a câmera no princípio permanece em close-up e colada no corpo dos personagens, a cor é cinzenta, e há uma parca tentativa de sublinhar a presença fantasmagórica em um vilarejo, com sons aumentados e fotos em preto e branco; já a segunda parte é solar, com as paisagens em planos gerais e personagens caricatos, com interpretações over à moda dos piores elencos italianos. Isso exprime que Casamento Silencioso transita entre duas áreas: a troça, a comédia caricatural de tipos estranhos, e a tragédia sublinhada pela estética fria do início. Mas o diretor Malaele, que tem uma longa carreira como ator na Romênia, não consegue trabalhar bem nenhum dos gêneros, o que transforma seu filme em uma experiência mal-sucedida entre as potencialidades do cinema do Leste Europeu com as referências claras de Federico Fellini (Amarcord) e Emir Kusturica (Underground – Mentiras de Guerra).
O roteiro do filme apresenta os russos como malvados e sem coração, já que impedem a realização de um casamento devido à morte de Stalin. O que se pretendia ser irônico com uma crítica política através da comédia, como em diversos filmes de Charlie Chaplin (Tempos Modernos), transforma-se em uma acidez débil de contraponto entre capitalismo e comunismo, com uma cena constrangedora e burlesca de uma briga no bar. Além disso, Malaele não sabe trabalhar o ritmo da ação e fracassa ao tentar cerzir drama, comédia e fábula mágica. Isso se torna evidente na sequência em que o povoado assiste a um filme e, de repente, o circo irrompe para evocar o elemento poético. Ainda em uma narrativa curta, com cerca de 85 minutos, o diretor comprova a sua ineficácia para narrar uma história, que de simples na superfície passa a simplória em meio ao amontoado de clichês, gêneros e ideias perdidas.
# CASAMENTO SILENCIOSO (Nunta Muta)
França/Luxemburgo/Romênia, 2008.
Direção: HORATIU MALAELE
Roteiro: ADRIAN LUSTIG e HORATIU MALAELE
Fotografia: VIVI DRAGAN VASILE
Montagem: CRISTIAN NICOLESCU
Produção: VLAD PAUNESCU
Elenco: MEDA ANDREEA VICTOR, ALEXANDRU POTOCEAN, VALENTIN TEODOSIU, ALEXANDRU BINDEA e LUMINITA GHEORGHIU
Duração: 85 minutos
Site oficial: http://www.nuntamuta.ro/