Enquanto o Sol Não Vem guarda várias semelhanças com O Gosto dos Outros e Questão de Imagem, os dois filmes anteriores da diretora, roteirista e atriz Agnès Jaoui. O Gosto dos Outros, realizado em 2000, se tornou um grande sucesso no circuito alternativo brasileiro, em boa parte pelo seu ótimo potencial cômico. A história do executivo que se apaixona pela professora particular de inglês é cheia de observações perspicazes sobre a sociedade contemporânea francesa. Aoui explora com maestria o contraste entre o milionário emergente e a atriz de teatro que não consegue pagar as contas, enquanto os personagens secundários (um segurança, um motorista e a bartender interpretada por Aoui) se envolvem em uma ciranda amorosa.
Questão de Imagem (2004) deixava o humor rasgado de lado para dar lugar a um tom mais cínico e amargurado. Um escritor famoso e arrogante ignora a vocação de sua filha para o canto lírico, enquanto esta sofre com os fantasmas da obesidade. Mais uma vez, os personagens periféricos (a professora de canto casada com outro escritor) têm papéis fundamentais na construção de uma complexa teia de relações que permitem um olhar reflexivo sobre essa gama de diferentes personalidades.
Em Enquanto o Sol Não Vem novamente temos um escritor (agora escritora, interpretada pela diretora) de sucesso, notória feminista com aspirações políticas, que é objeto de um documentário realizado pelo filho de sua antiga empregada argelina e por um jornalista atrapalhado. Os sucessivos problemas com a filmagem permitem que Aoui e o ator Jean-Pierre Bacri exercitem o mesmo tipo de humor de O Gosto dos Outros, equilibrado com os dilemas emocionais que sobressaiam em Questão de Imagem. E vai além, abrindo espaço para a questão sócio-política, especialmente a ainda incômoda relação entre franceses e argelinos.
O que se percebe dos três filmes é que em todos eles o foco recai sobre dilemas artísticos e emocionais envolvendo representantes da elite cultural francesa. No aspecto sentimental, há uma preocupação evidente com o final feliz, em mostrar que os personagens conseguem sobreviver aos percalços da ciranda amorosa que os envolvem. Como se quisessem dizer que o mais importante é que o amor sempre triunfa. E os filmes de Agnès Jaoui triunfam sobretudo porque não derrapam nem na viuvez da nouvelle vague que permeia parte da produção francesa atual e nem na indigência intelectual de outra parte, sobretudo as comédias românticas. Ou seja, filmes como O Gosto dos Outros, Questão de Imagem e agora Enquanto o Sol Não Vem são um oásis de boas idéias tratadas com leveza, simplicidade e bom humor. E de quebra ainda trazem o magnífico ator (e co-roteirista) Jean-Pierre Bacri, que por si só já vale o ingresso.
# ENQUANTO O SOL NÃO VEM (PARLEZ-MOI DE LA PLUIE)
FRANÇA, 2008
Direção: AGNÈS JAOUI
Roteiro: AGNÈS JAOUI, JEAN-PIERRE BACRI
Fotografia: DAVID QUESEMAND
Edição: FRANÇOIS GEDIGIER
Elenco: AGNÈS JAOUI, JEAN-PIERRE BACRI, JAMEL DEBBOUZE, PASCALE ARBILLOT
Duração: 110 min.