A peça O Inimigo do Povo, do dramaturgo Henrik Ibsen, aborda, em linhas gerais, o conflito entre o individual e o coletivo ao colocar as convicções de um médico a respeito da qualidade da água em um vilarejo contra a opinião da população. Ele se mantém fiel em sua crença, mesmo que nunca mais tenha sua posição estabelecida na sociedade novamente. O filme O Grupo Baader Meinhof, de Uli Edel (Eu, Christiane F., 13 anos, Drogada e Prostituída), parte de uma premissa semelhante e faz uma analogia direta com a obra do norueguês, só que agora “o inimigo do povo” é representado pelo capitalismo e tem como principal representante os Estados Unidos.
A ação do longa transcorre no conturbado período entre 1967 e 1977, na Alemanha. A preocupação de que a história seja baseada em fatos reais se evidencia mais uma vez com um letreiro que reafirma essa condição. Logo em seguida, todo o entrecho inicial existe apenas como forma de legitimação para todas as atitudes rebeldes que virão, porque antes mesmo de descrever os personagens o diretor Edel frisa a questão política e a unilateralidade costumeira em relação a lados opostos: os militares frios e prontos para agirem de forma violenta e a juventude desafiadora, mas a princípio, pacífica e que reage quando molestada. Por intermédio de apenas uma cena, o realizador deixa clara a sua proposta: a câmera acompanha os personagens durante uma manifestação e o registro se aproxima do documental para expor a “verdade” diante do espectador. Porém, a estética definida vai na direção contrária da intenção cênica, com uma fotografia cinzenta e uma trilha sonora de thriller, que só espetaculariza a ação.
Imagens de arquivo se amalgamam aos atos de protestos que eclodem em cada rua. A mensagem é bem direta: deve-se pegar em armas para lutar por seus direitos e mudar o mundo. Então, O Grupo Baader Meinhof vai se configurar em uma obra de fascinação pelo rebelde no mais pueril espécime de banditismo romântico em que até o pai de uma combatente, que é um pastor, a absolve por suas ações e considera a violência como libertadora para a sua filha. E Edel transforma seus personagens em verdadeiros mitos, com um fascínio sem reflexão a respeito do grupo, como se os reverenciasse e compactuasse com todas as suas motivações. É claro que o diretor não precisava fazer um filme demonizando-os por completo, mas deveria encontrar um meio termo entre a formação dos mártires e o julgamento moral de suas atitudes.
Independente da questão ideológica, o filme carece de um senso rítmico tanto nas cenas de ação, com decupagem problemática, quanto em todo o desenvolvimento dramático. O roteiro tenta abarcar um período de 10 anos e mesmo em meio a elipses se atém e estende a abordagem de certos pontos, e em outros não há menção (contextualização histórica) ou são apresentados de maneira ineficaz (a reação dos militares). Todas as escolhas feitas pelo cineasta em sua obra claramente política são opostas as de Marco Bellocchio em Bom Dia, Noite, que entrou em circuito no Brasil e tem cópia disponível em DVD nas locadoras: a partir de um aparelho em que militantes mantém sob cárcere um político, Bellocchio parte do particular para refletir sobre o geral da Itália fascista. Ao representar seus personagens com camisa de Che Guevara, ao som de The Who, e com leituras de Lênin e Trotsky, Uli Edel vai do nada ao lugar-comum das construções político-panfletárias.
# O GRUPO BAADER MEINHOF (Der Baader Meinhof Komplex)
Alemanha/França/República Tcheca, 2008.
Direção: ULI EDEL
Produção e Roteiro: BERND EICHINGER
Fotografia: RAINER KLAUSMANN
Montagem: ALEXANDER BERNER
Elenco: MARTINA GEDECK, MORITZ BLEIBTREU, JOHANNA WOKALEK, NADJA UHL, ALEXANDRA MARIA LARA e BRUNO GANZ
Duração: 150 minutos
Site oficial: http://www.thebaadermeinhofcomplex.com/