O interesse do público por foras-da-lei com carreiras de exceção, seja pela ousadia, seja pelo tempo de duração durante o qual praticam delitos, elege com frequência novos supostos Robin Hood’s envoltos em um uma idealizada aura romântica, geralmente estimulada pela mídia – incluindo-se o cinema.
John Dillinger (1903-1934) já apareceu com maior ou menor destaque em quase duas dezenas de filmes, meia dúzia deles com seu nome no título. O primeiro, lançado em 1945, uma década depois de sua morte; o mais recente, apesar do título plural, Inimigos Públicos, e de incluir no enredo comparsas quase tão famosos como ele, é totalmente centrado no assaltante de bancos que ganhou fama de “mito”, ainda em vida, para o público americano dos anos 1930 em plena “grande depressão” econômica daquela época. Esperamos que a atual crise econômica mundial não seja igual àquela - e nem o filme de Michael Mann pretendeu estabelecer qualquer reflexão que aproximasse os anos ’30 de nossos dias: o roteiro (que o cineasta também assina, em pareceria) parece buscar um feitio ‘realista’, embora modifique algumas sequências cronológicas de fatos relativos aos demais bandidos coadjuvantes do Dillinger real (‘Baby Face’ Nelson, ‘Pretty Boy’ Floyd, Alvin Karpis - dentre muitos outros) interpretados pelos atores coadjuvantes do astro Johnny Depp em mais um desempenho “cool”.
Se houve alguma intenção do roteiro (além de ficcionalizar a carreira do gangster entre 1933 e o ano seguinte, o de sua morte, sem muitas invencionices além do essencial ) esta poderia ser quanto à criação do FBI a partir da caçada a Dillinger pelo agente Melvin Purvis (Christian Bale em mais um desempenho aplainado) e pelo futuramente famoso J. Edgard Hoover (Billy Crudup, em mais um papel aquém de suas possibilidades).
Mesmo assim, a rivalidade entre o agente Purvis e o criminoso Dillinger não chega a criar uma polaridade tão intensa que catalize a atenção do espectador, atenção que se ressente nos dois terços iniciais, mantida, entretanto, pelo artesanato do diretor com seus enquadramentos plasticamente estetizados, os cortes precisos, os movimentos de câmera elegantes e funcionais. Mesmo assim, os 140 minutos de projeção pesam, ainda que no terço final o interesse se acentue com ajuda (desde antes, bem empática) de Marion (‘Piaf’) Cotillard como a namorada do assaltante. O aspecto romântico do casal, curiosamente, é o que se destaca na trama que parece buscar um certo distanciamento ficcional - ou acabou por ganhar tal aparência pela preocupação maior do cineasta com a narrativa visual – o que é sempre uma qualidade cinematográfica – mas que, neste caso, chega causar um certo descompasso entre o modo de narrar e o que se quis narrar.
Afinal, qual o interesse em retomar esses fatos e personagens, estimulando o interesse em bandidos por mais famosos (embora já distantes no tempo) que tenham sido? Nossos ‘Lampiões’ e outros marginais urbanos já serviram a filmes pouco significativos, mas também a reflexões cinematográficas com ambições maiores, de viés sociológico, político, psicológico, etc. Quando Arthur Penn (em sua fase áurea) filmou Bonnie and Clyde, além do brilho formal, trouxe muito do inconformismo da época em que o filme foi rodado (pouco antes de 1968), ainda que para isso, modificasse muito da história factual e do perfil dos bandidos, tomados como pretexto para falar do tempo corrente - e também da mesma época em que se passa Inimigos Públicos.
É uma pena que Michael Mann se preocupe tanto com a arquitetura das imagens e tão pouco com o que elas teriam a dizer sobre os anos 1930 ou sobre os dias atuais. Se por um lado é de se estimar a ausência de psicologismo causal (o filme começa em algum momento da trajetória do bandido, sem flashbacks, e com mínimas alusões ao passado do personagem), a platitude do que é narrado fica ainda mais acentuado com o brilho procurado na forma da narrativa. Destacam-se ainda o uso de canções de época interpretadas por Billie Holiday na trilha sonora e na presença de Diana Krall em breve participação como crooner. Na equipe, colaboradores de outros filmes de Mann ajudam no resultado técnico e na qualidade formal da produção caprichada, com destaque para a fotografia de Dante Spinotti (que esteve com Mann em O informante), música de Elliot Goldenthal (que participou de Colateral) e montagem de Paul Rubell (que editou estes mesmos dois filmes).
# INIMIGOS PÚBLICOS (PUBLIC ENEMIES)
Estados Unidos, 2009
Direção: MICHAEL MANN
Roteiro: RONAN BENNETT, MICHAEL MANN e ANN BIDERMAN
Fotografia: DANTE SPINOTTI
Edição: JEFFREY FORD, PAUL RUBELL.
Direção de Arte: PATRICK LUMB, WILLIAM LADD SKINNER
Música: ELLIOT GOLDENTHAL
Elenco: JOHNNY DEPP, CHRSITIAN BALE, MARION COTILLARD, BILLY CRUDUP.
Duração: 140 minutos
Site oficial: http://www.publicenemies.net/