O título original de Amantes é Two Lovers, apontando para a dualidade onipresente no temperamento ciclotímico do personagem Leonard Kraditor cujo estado de ânimo oscila rapidamente da depressão à euforia e vice-versa em interpretação admiravelmente empática de Joaquin Phoenix. Leonard já teria recebido o (atualmente inflacionado) diagnóstico de “bipolar” e tem prescrição de medicamentos que só usa irregularmente, mas o que o caracteriza mesmo é a imaturidade e constante alternância de humor capaz de brincadeiras espirituosas que mal dissimulam sua tristeza e carência afetiva.
O envolvimento alternado e simultâneo com a amável Sandra (Vinessa Shaw) e com a conturbada Michelle (Gwyneth Paltrow) é exposto em mais uma narrativa exemplar de James Gray. Quem conhece os filmes anteriores do cineasta (Fuga para Odessa, 1994; Caminho sem Volta, 2000; e o mais recente Os Donos da Noite, de 2007) pode estranhar, a princípio, que este não apresente mais um roteiro com personagens masculinos nas fronteiras da ilegalidade, envolvendo crimes e/ou policiais; mas logo pode-se perceber que o que importava nos outros filmes também está aqui: a tensão entre o núcleo familiar e um de seus membros, tensão que já ficava explícita no personagem que o mesmo Joaquin Phoenix criou no filme de dois anos atrás.
Neste Two Lovers, os pais tocam um negócio familiar (uma lavanderia) e pretendem uma fusão com o negócio similar de outra família da mesma origem (judaica) e o casamento do filho com Sandra, que é filha do futuro sócio, viria a calhar. Mas Leonard é instável e impulsivo, sendo visto logo na primeira cena do filme pulando de uma ponte na água, tentando suicídio - e logo se arrependendo.
A maternal e delicada Sandra pode ser uma ótima companheira para ele, mas sua atração mais intensa é pela vizinha Michelle, confusa e capaz de envolvê-lo em assuntos íntimos, deixando-o no frustrante papel de “amigo” e confidente. Muitos já viram suas expectativas amorosas chocarem-se com a proposta feminina de “amizade” e nada mais, o que é bem constrangedor e desconfortável para o já nem tão jovem (mas parecendo sempre um adolescente volúvel) Leonard.
O roteiro tem inspiração em um conto de Dostoievski que não vale a pena citar, pois quem conhecer esta história ficará sabendo da evolução do enredo neste filme, que se não chegar a ser tão desesperadamente “dostoievskiano”, não deixa de transmitir o clima doceamargo da ficção literária. Narrado de forma elegante, sem preciosismos formais, mas com extrema sensibilidade na construção das imagens, o diretor recorre a freqüentes planos fechados sobre o rosto de Joaquin Phoenix - que também usa do corpo para dizer muito do que cala. Sua interpretação pode ser chamada de “visceral”, sem jamais cair no exagero ou caricatura.
Todo o filme revela extremo respeito pelas inadequações dos personagens que podem estar fazendo outros sofrerem (como Michelle faz com Leonard e ele pode estar fazendo com seus pais e com Sandra), mas jamais são vistos como intencionalmente "malvados", e sim, como gente comum, capazes de grandes desencontros com eles mesmos e com os demais. Sintonizadas com este enfoque de neutralidade que não julga nem condena os desacertos humanos, Gwyneth Paltrow, Vinessa Shaw e Isabella Rossellini (como a mãe) têm participações precisas, assim como os demais atores em papéis menores. Talvez apenas Elias Koteas escape um pouco dessa linha e traga um certo peso ao namorado casado de Michelle. Não se pode deixar de ressaltar que esta é certamente a melhor interpretação de Gwyneth Paltrow, bem acima de suas limitações habituais.
Ainda a destacar a edição igualmente precisa, a fotografia adequada ao clima geral, além da trilha sonora, jamais interferente ou excessiva, sendo que em uma cena de lanchonete podemos escutar ao longe Amália Rodrigues cantando Estranha Forma de Vida. Estranha? Tão estranha como banal e corriqueira pode ser a divisão entre dois objetos de afeto, duas formas de gostar: uma delas apaixonada e idealizada, outra, terna e quase racional. Qualquer escolha pode deixar Leonard longe do que sua mãe diz que deseja para ele: a tal felicidade...
P.S. O filme, subestimado no seu país de origem e apresentado (sem premiação alguma) no Festival de Cannes 2008, é imperdível, que mais não seja pelo risco de ser o último filme de Joaquin Phoenix que vem anunciando aos sete ventos que abandonou a carreira de ator: verdade ou factóide?
# AMANTES (TWO LOVERS)
EUA, 2008
Direção: JAMES GRAY
Roteiro: JAMES GRAY, RICHARD MENELLO
Fotografia: JOAQUÍN BACA-ASSAY
Edição: JOHN AXELRAD
Direção de Arte: MARC BENACERRAF, PETER ZUMBA.
Música: DANA SANO (supervisão)
Elenco: JOAQUIN PHOENIX, GWYNETH PALTROW, VINESSA SHAW, ISABELLA ROSSELLINI
Duração: 110 minutos
Site oficial: http://www.twoloversmovie.com/