O maior trunfo de A Culpa é do Fidel é o desempenho da pequena Nina Kervel no papel de ‘Anna’, uma menininha de seus 9 anos de idade cujos pais, no início dos anos 1970, mudam subitamente de hábitos, ao se engajarem em propostas e atitudes políticas radicalmente diversas do padrão de vida burguês que vinham mantendo e ao qual seus filhotes se acostumaram. ‘Anna’ é quem mais vai reagir às mudanças e é em torno dela que o filme se desenrola. Nina Kervel-Bey mostra-se bem espontânea em seu desempenho, defendendo com vitalidade uma personagem que pode até mesmo soar menos simpática em suas reclamações contra o mundo em que passa a viver, virado de ponta-cabeça, experimentando as novas posturas de seus pais de modo quase que totalmente incompreensível para ela.
E é a própria atriz-mirim quem enuncia, de forma bem clara e direta, a maior falha do filme (e do roteiro) em seus comentários incluidos no site oficial do filme (ver abaixo o endereço na ficha técnica). Em uma tradução livre mas que busca ser fiel ao pensamento lúcido de Nina: “Se meus pais resolvessem mudar tudo do jeito que acontece no filme, acho que eu também não ficaria nada contente. Eu penso que os pais do filme amam sua filha, mas eles são um pouco tolos mudando tudo. Eles deixam mesmo de cuidar dela: eles a deixam de lado, esquecida, porque estão envolvidos com seus assuntos de gente grande. Eles mudam o tempo todo sem prevenir a filha. É verdade também que no filme, eu não tenho uma personalidade fácil”. (grifos nossos)
Resta muito pouco a acrescentar: Julie Gravas estréia dirigindo seu primeiro filme de ficção com competência artesanal, levando adiante seu roteiro em busca de risos e simpatia da platéia para com a espevitada ‘Anna’ (que, como disse sua intérprete, não é nada "fácil” – e, acrescentamos nós: por vezes, até mesmo bem antipática). A identificação do espectador com as frustrações naturalmente ego-centradas de uma criança daquela idade implica obviamente em uma visão crítica debochada e ridícula para com os desmandos de seus pais em relação à infância, pais que primam pela incompetência em termos de falta de empatia para com a filha: ‘Anna’ é bem esperta e faz perguntas pertinentes dentro do seu ponto-de-vista – mas que são bem mal respondidas, de modo rápido, inconvincente e superficial. Na verdade, além de não demonstrarem a menor empatia pela menina, os pais mostram-se descuidados e até irresponsáveis (cena da passeata). Não há como considerar, nem mesmo através do que poderia ser o saudável ângulo do humor, esta crítica à ingenuidade tola de tais ativistas pelas utopias daqueles tempos, por mais que os atores Stefano Accorsi e Julie Depardieu também se mostrem bem competentes em suas interpretações.
Os sobrenomes com antecedentes familiares de luxo no cinema francês dão o que pensar: as duas Julies são filhas de: Gérard Depardieu (a Julie atriz); e de Costa-Gravas (a diretora). No mesmo site oficial do filme, já mencionado, a atriz se queixa de “ter sido tratada como uma idiota” por seus pais que não lhe colocavam a par de nada quando ela era criança. Já a cineasta se refere ao filme Missing (no Brasil “Desaparecido – Um Grande Mistério”), de Costa-Gravas, sobre o golpe militar no Chile, como o primeiro filme de seu pai sobre o qual, aos 11 anos, ela teve plena compreensão, dizendo que até hoje se emociona quando vê imagens de Allende e do golpe. Será? Pois não há como deixar de lado a suspeita de que, antes disto, ela tenha se sentido como a personagem ‘Anna’ e esteja acertando as contas com algo que possa ter vivenciado de modo semelhante, identificando-se com o livro italiano em que se baseou para o filme, Tutta Colpa di Fidel.
Por mais que tenha havido bastante radicalismo ingênuo nos movimentos “de esquerda” daqueles tempos, a caricatura apresentada chega a ser bizarra, ficando mais na esfera do preconceito do que na do humor crítico inteligente. Com pais tão inábeis, pouco importa se eles se viraram para a esquerda, para a direita ou para qualquer outra latitude política: a longitude deles para com sua filha é mais patética do que cômica.
# A CULPA É DO FIDEL! (LA FAUTE À FIDEL)
França / Itália, 2006
Direção: JULIE GRAVAS
Roteiro: JULIE GRAVAS, ARNAUD CATHRINE, baseado em livro de DOMITILA CALAMAI.
Fotografia: NATHALIE DURAND
Montagem: PAULINE DAIROU
Direção de Arte
Música: ARMAND AMAR
Elenco: NINA KERVEL-BEY, JULIE DEPARDIEU, STEFANO ACCORSI, BENJAMIN FEUILLET.
Duração: 99 minutos
Site oficial: www.lafauteafidel-lefilm.com