Críticas


SIMPLESMENTE MARTHA

De: SANDRA NETTELBECK
Com: MARTINA GEDECK, SERGIO CASTELLITTO, MAXIME FOERSTE. SIBYLLE CANONICA
29.11.2002
Por Fernando Albagli
A CULINÁRIA NÃO SUBSTITUI O AMOR

Virginia Woolf observou, certa vez, que "não se pode pensar direito, amar direito, dormir direito, se não se jantar direito". Diretores de filmes como A Festa de Babette, Comer, Beber, Viver, A Grande Noite, Quem Está Matando os Grandes Chefes e Como Água para Chocolate levaram a sério a frase da escritora, encontrando lições de vida nos prazeres da mesa. Mas, ao contrário desses filmes em que a comida é a protagonista, Simplesmente Martha é a história de uma mulher tão apaixonada por sua profissão e tão empenhada em provar seu valor, que se esquece de viver propriamente.



Para Martha (Martina Gedeck), comida é a sua forma de comunicação. Chef por profissão e perfeccionista por temperamento, ela vive para suas receitas que já a tornaram famosa no elegante restaurante onde trabalha, em Hamburgo. Senhora do seu espaço, seja na movimentada cozinha, onde se move como num pequeno balé entre panelas, seja em seu pequeno apartamento de quarto e sala, a workaholic Martha só não tem a receita perfeita para sua vidinha particular.



De repente, ela se vê invadida em duas frentes. A primeira, em casa: quando sua irmã morre num acidente, deixa-lhe, de "herança", para criar, a pequena Lina (Maxime Foerste) de oito anos. A segunda, no trabalho: Frida (Sibylle Canonica), a dona do restaurante, contrata um novo subchefe, fazendo-a sentir-se profissionalmente ameaçada. Nos dois casos, há agravantes. Lina sente falta da mãe. É uma criança problemática. Falta ao colégio, mente, não se interessa por coisa alguma. Pior ainda para Martha, não liga a mínima para a comida da tia. E até faz greve de fome.



Mário (Sergio Castellitto), o novo cozinheiro, é (imagine!) italiano. Alegre e charmoso, ele cantarola enquanto mistura os ingredientes. A diferença entre os procedimentos dos dois chefs é que ele encara a cozinha menos como um laboratório do que como um estúdio de artista. E conquista todos com quem tem contato, inclusive a pequena Lina, cuja greve consegue furar com um apetitoso prato de macarrão. Conquista todos, menos Martha, é claro. Isso só aos poucos, com perseverança e paciência.



É aí que o filme fica previsível. Quando lembra as comédias românticas americanas. Aquelas em que o executivo materialista, que vive apenas para o trabalho, descobre finalmente o amor e "o verdadeiro sentido da vida", com a chegada de um novo personagem. Em Simplesmente Martha, são dois esses personagens – Lina e Mário – que modificam a vida de Martha. E a bela jovem de olhos tristes, que não admite críticas em seu ofício, abre finalmente o coração, confessa os próprios erros, rende-se à latinidade de Mário, que abranda o seu jeito germânico de exigir eficiência acima de tudo.



O que faz Simplesmente Martha diferente daquelas comediazinhas clichês, em que os opostos se atraem e solteiros tomam conta de crianças, são as sensíveis interpretações que a roteirista e diretora Sandra Nettelbeck, vinda da televisão, obtém do trio principal de atores. A menina Foerste não é a mera pirralha travessa de tantos filmes, insuportável e dominadora. Compõe um tipo rebelde mas comovente, com seu ingênuo e sincero retrato de menina solitária. Castellitto (A Grande Melancia, O Homem das Estrelas, Concorrência Desleal) refreia uma natural sobreatuação quando o personagem beira o exagero na composição do italiano-típico-de-filme-não-italiano. E Gedeck (atriz principalmente de TV) é uma decidida, mas suave e vulnerável, Martha bastante verossímil, escapando do que poderia facilmente se transformar numa caricatura.



O prato, portanto, tem finos ingredientes e é bem servido. Apesar do roteiro previsível – mas bem construído – vai emocionar muito mais a platéia feminina, com seu sabor levemente agridoce e seu romântico recado. A culinária, por mais sofisticada e inventiva, não é substituta para o amor.



# SIMPLESMENTE MARTHA (BELLA MARTHA / MOSTLY MARTHA)

Alemanha/Itália/Áustria/Suíça, 2001

Direção: SANDRA NETTELBECK

Roteiro: SANDRA NETTELBECK

Produção: CHRISTOPH FRIEDEL e KARL BAUMGARTNER

Fotografia: MICHAEL BERTL

Montagem: MONA BRÄUER

Design de Produção: THOMAS FREUDENTHAL

Música: MANFRED EICHER

Músicas originais: DAVID DARLING, KEITH JARRETT, ARVO PÄRT

Elenco: MARTINA GEDECK, SERGIO CASTELLITTO, MAXIME FOERSTE. SIBYLLE CANONICA, KATJA STUDT, OLIVER BROUMIS, AUGUST ZIRNER, ULRICH THOMSEN, DIEGO RIBON

Duração: 109 minutos

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