NOLLYWOOD BABILÔNIA
Última exibição em 9/10 às 20:00 no Espaço de Cinema 3
Direção: Ben Addelman e Samir Mallal
por Carlos Alberto Mattos
Os números de Nollywood são vertiginosos: 2500 filmes por ano, 80 milhões de espectadores, que chegam a ver até três filmes por dia. O cineasta Lancelot Imasuen aparece rodando seu 157º longa, duas semanas antes de começar o 158º. Estamos na terceira maior indústria cinematográfica do mundo, segundo este doc de Ben Addelman e Samir Mallal que a apresentou ao mundo.
O filme passa em revista, ainda que em fast forward, a história do cinema nigeriano desde a época da colonização até a febre atual, sustentada por comerciantes de produtos eletrônicos e uma exótica aliança com líderes evangélicos. Milhares de filmes, quase nenhum cinema. Tudo circula pelas casas e lojas, num circo populista que se vale das aspirações de enriquecimento e das crenças da massa em poderes de bruxaria.
Nollywood é um sistema macabro, profundamente enraizado na cultura do país. Esse rápido panorama, se não esquadrinha todos os cantos, pelo menos levanta a ponta da cortina sobre um fenômeno sociológico.
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AMERICAN BOY + AMERICAN PRINCE
apenas em 10/10 às 13:45 no Espaço 3
Direção: Martin Scorsese + Tommy Pallotta
por Carlos Alberto Mattos
A reunião desses dois médias de Martin Scorsese e Tommy Pallotta traz à tona um personagem imperdível. Steven Prince, de biografia agitada e incrível talento para contar histórias, tem cenas de sua vida reproduzidas em Pulp Fiction e Waking Life, sem falar na inspiração que certamente exerceu sobre Scorsese. Este filmou seus relatos em 1977, num encontro doméstico que poucos conheciam. Pallotta o retomou 30 anos depois, como se a conversa apenas continuasse.
Prince não mede palavras para contar seu envolvimento com homossexualismo, drogas e violência, nem para dar detalhes sobre a vida de amigos como Scorsese, Liza Minnelli e Robbie Robertson (The Band). Os dois filmes absorvem essa franqueza e abrem uma janela privilegiada sobre o showbiz americano dos anos 1970 e 80.
Ambos deixam transparecer a duvidosa felicidade de um doidão que, afinal de contas, não encontrou o seu lugar na ribalta. Steven Prince, ex-ator, ex-roadie de Neil Young e ex-figuraça de Hollywood, é hoje um empreiteiro da construção civil. Imagino que ainda venha por aí um longo baseado, digo um longa baseado em sua vida
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AMOR ESCONDIDO
10/10 às 15:15 no Espaço de Cinema 1
Direção: Alessandro Capone
por Luiz Fernando Gallego
Talvez a intenção deste filme seja a de discutir o “amor materno” entre os humanos: trata-se de algo culturalmente adquirido ou é instintivamente determinado? Se nossa crença recai nesta segunda hipótese, a personagem interpretada por Isabelle Huppert em O Amor Escondido seria desviante, uma doente, uma mostruosidade, talvez. No entanto, se consideraramos a outra teoria, a culpa sentida por esta mulher que não consegue amar sua cria é que faz dela uma vítima de preconceito cultural: uma obrigatoriedade que não seria universal como se quer acreditar.
Mas o roteiro, baseado em romance de Danièle Girard, mostra-se repetitivo e mal desenvolvido, resultando em um filme cansativo e sem ritmo. O uso de imagens em preto-e-branco (para o tempo passado) alternando-se com cenas a cores é uma formatação no mínimo ingênua e dispensável, por mais que o fotógrafo seja Luciano Tavoli (de Profissão:Repórter, de Antonioni, dentre outros muitos trabalhos exemplares para grandes cineastas).
Nem mesmo a habitual entrega visceral de Isabelle Huppert à personagem é suficiente para resgatar o filme, cabendo à Gretta Scacchi o ingrato papel de uma psiquiatra perdida no confronto com sua paciente, não sendo possível deixar de questionar a incompetência das tentativas picoterápicas (?) da tal doutora, absolutamente carentes de qualquer teoria que embase sua... técnica (?). Como se não bastasse, há um discurso proselitista sobre os hábitos dos diversos animais no cuidado com os filhos...
No final das contas, a mãe que não ama sua filha permanece como uma esfinge mal-decifrada: trata-se de uma esquizóide? de uma borderline? ou de uma mulher que sofre pela culpa moral avinda de uma premissa de nossa sociedade que não deveria ser norma? A precariedade no desenvolvimento psicológico da personagem chega a uma cena final totalmente fake - aliás, como todo este filme.
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WHITE MATERIAL
10/10 às 15:30 no Espaço 2
Direção: Claire Denis
por Carlos Alberto Mattos
Mais um filme de Claire Denis, e aqui estou eu incapaz de apreender as virtudes tão decantadas por parte considerável da crítica nacional e internacional. Senti-me como a personagem de Isabelle Huppert, perdido numa nuvem de indeterminação, entre os fogos de uma guerra que não compreendo. A África de Denis é um lugar sem tempo nem espaço definidos. A família da francesa Maria é um emaranhado de relações obscuras e irrupções emocionais estapafúrdias. Sua obstinação em concluir uma colheita de café a coloca no centro de um conflito íntimo e político, do qual obtemos apenas indícios desordenados que bloqueiam qualquer identificação ou análise.
Restam o estilo rebuscado, a recusa esnobe da linearidade, a deliberada artificalidade de sempre, o mutismo solene, as poses afetadas. White Material ainda sofre de uma estranha alternância entre os piores maneirismos do filme-de-arte e momentos quase grotescos na caracterização dos africanos em luta. Tive vontade de, ao contrário de Maria, fugir no primeiro helicóptero.
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DOCE PERFUME
10/10 às 19:30 no Espaço 1
Direção: Andrzej Wajda
por Carlos Alberto Mattos
Um Andrzej Wajda inesperado: peça de câmara em vez dos épicos históricos e políticos que caracterizam sua obra. Um filme adiado no passado em função da doença de Edward Klosinski, marido da atriz Krystyna Janda e diretor de fotografia de vários filmes de Wajda. Após a morte de Edward, o filme enfim se realiza, mas como uma narrativa em espelho. Krystyna se divide em duas. Como ela mesma, relembra os últimos momentos do marido em monólogos dolorosos. Como a ficccional Martha, vive uma mulher com doença terminal e em luto pela perda dos filhos num acidente.
O espectro da morte se desdobra, alimentando a ficção como a realidade. O filme rompe diversas vezes o espelho, numa experiência metalinguística que denota jovialidade por parte do veterano diretor. O clima é intenso e de melancólica beleza, assim como as paisagens do recanto polonês onde se passa a ação.
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BARBA AZUL
10/10/09 às 19:45 no Espaço 2
Direção: Catherine Breillat
Por Leonardo Luiz Ferreira
Breillat se apropria da fábula Barba Azul, de Charles Perrault, para realizar mais uma jornada de autodescoberta através da perspectiva feminina. Portanto, o que importa em sua encenação não é a direção de arte e os inúmeros e pesarosos diálogos que costumam brotar em dramas de época, mas sim o rito de passagem de uma menina: da ingenuidade dos primeiros anos à descoberta de um mundo obscuro de vísceras e sangue. Nesse sentido, é bastante significativa a sequência em que ela observa a decapitação de um pato que é preparado para a refeição. É a partir das rupturas físicas ou mentais que a personagem se constrói diante do espectador.
A diretora divide a narrativa entre dois tempos que se cruzam e se alimentam entre si. De um lado, a fábula clássica do Barba Azul em que a rigidez da composição dos quadros nunca esteve tão bela em sua obra, e em diversos momentos remete à Eugène Green (Le Monde Vivant) e aos filmes de época de Eric Rohmer. Em paralelo, duas meninas leem a história no tempo presente e com uma leitura distinta daquela apresentada no conto: entre a vida e a ficção há sempre uma tênue diferença, mas Catherine quer mesmo reforçar que sua moral é bem diferente do universo infanto-juvenil, que tanto abunda na literatura e em outros filmes. O seu cinema é o de restos, de brechas que percorrem o inconsciente humano. E não há mesmo como ficar indiferente.
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MAIS TARDE VOCÊ VAI ENTENDER...
Apenas em 10/10 às 20:00 no Espaço 3
Direção: Amos Gitäi
Por Luiz Fernando Gallego
(Este texto foi publicado originalmente em 29/09/2008 sob o título A FORÇA DO NÃO-DITO, já que este filme também foi exibido no Festival do Rio ano passado)
Pouco mais de quarenta anos depois do término da II Guerra Mundial, um homem de meia-idade que já construiu seu próprio núcleo familiar (Hippolyte Grirardot) está obsessivamente voltado para a história de sua família de origem: sua mãe, agora bem idosa, é judia; e seu pai (já falecido), não. Como teria ela sobrevivido na França ocupada pelos alemães? Por que ele, nascido logo depois do final da guerra, conheceu seus avós paternos residindo no apartamento que havia sido dos pais de sua mãe, mortos por terem sido delatados depois de terem conseguido esconder-se por dois anos em um pequeno vilarejo do interior?
Após um breve prólogo e mínimos créditos iniciais, Mais tarde você vai entender mostra o interior da residência da Sra. Rivka (Jeanne Moreau). Ela está à vontade em sua casa, cozinhando, com lenço na cabeça e cabelo enrolado. Na TV ligada, o julgamento do “carniceiro” nazista Klaus Barbie (que de fato ocorreu em 1987). Ela abre as janelas, deixando o barulho da rua entrar, talvez para não escutar o que está sendo rememorado pelas testemunhas de acusação: depoimentos sobre a perseguição aos judeus na França.
Como em quase todo o filme, a cena é filmada em um longo plano-seqüência. Praticamente todos as cenas trazem a mesma estrutura de narrativa: a câmera procura os atores, acompanhando-os pelos cômodos, registrando seus diálogos indo de um rosto para o outro, sem o recurso infinitamente mais habitual de campo-e-contracampo.
Assim será na cena seguinte, quando a Sra. Rivka recebe o filho para jantar, agora com o cabelo arrumado, usando casaco, colar de pérolas, relógios em ambos os braços, cheia de jóias e anéis. A cada tentativa de indagação do filho sobre o passado, ela responde com outro assunto, muda a conversa, introduz temas banais - e o que não é dito começa a falar mais alto do que qualquer esclarecimento objetivo.
O talento extraordinário de Jeanne Moreau, em um de seus maiores desempenhos, começa a se impor, sem jamais cair na caricatura da “mãe judia”, mas universalizando a atitude de mães idosas quando não querem falar do passado. Mais adiante, um encontro entre ela e sua nora (Emanuelle Devos) trará outro breve diálogo cheio de elipses: uma sugere um assunto distantemente alusivo ao ponto onde quer chegar, a sogra desconversa perguntando sobre o chá, a nora recua aceitando o novo “assunto”... enfim, falam como quem dança um minueto, em um duo de interpretações femininas digno de antologia.
É uma pena que o diretor Amos Gitaï tenha “encenado” uma cena imaginada pelo personagem masculino central que mostra exatamente, e imediatamente em seguida, aquilo que lhe foi relatado por um homem (que na época era um menino) quando da prisão de seus avós maternos pelos nazistas. Esta cena - uma espécie de flashback imaginário e, para aumentar a tensão, abusando da “câmera na mão” que pode incomodar visualmente alguns espectadores - embora não seja ruim em si mesma, quebra por alguns minutos com o que é dominante (e mais forte) no filme, ou seja, o discurso paradoxal que fala de um passado trágico através do não-dito, dos silêncios e segredos de família. O indizível? O que não pode ser dito?
Mesmo assim, o filme preserva a força emocional de todo o restante, seja nos diálogos evasivos, seja no estilo da narrativa cinematográfica com os já mencionados planos-seqüência - nos quais a câmera parece buscar o que encontrar, quase sempre em vão.
Curiosamente, para certas perguntas de seus filhos sobre o mesmo tema com o qual ele está obcecado, o pai desconversa e responde vagamente. Porque ainda não sabe? Ou não que falar do que suspeita? Ele critica o silêncio de sua mãe, mas parece repetir a mesma postura com seus próprios filhos...
Vale a pena ainda prestar a atenção no melancólico tema musical, na câmera de uma das últimas cenas que “sai" por uma janela, mostrando a tão bela quanto “indiferente” paisagem parisiense para logo após retornar a corredores escuros; e - não é demais repetir – na interpretação de Jeanne Moreau que culmina em uma cena passada dentro de uma sinagoga.
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DOZE JURADOS E UMA SENTENÇA
apenas em 10/10 às 21:15 no Espaço 1
Direção: Nikita Mikhalkov
por Marcelo Janot
O veterano cineasta Nikita Mikhalkov adapta para a Rússia dos dias de hoje o clássico Doze Homens e Uma Sentença, de Sidney Lumet, 50 anos depois do original. E é bem sucedido. São eficientes as soluções cênicas encontradas para dinamizar os 153 minutos de duração de um filme que se passa quase o tempo inteiro no ginásio de uma escola decadente de Moscou. E o excelente elenco em muito contribui pra isso. Tirando a desnecessária e óbvia metáfora com um passarinho no final, acompanhada de uma mensagem redundante, o filme justifica sua longa duração.
Na nova ordem democrática russa, é nesse tribunal improvisado na escola que se reúne o júri popular composto por 12 cidadãos pertencentes a diferentes extratos sociais e culturais do país. Enquanto eles deliberam sobre a culpa ou a inocência de um jovem checheno acusado de assassinar o padrasto, que é oficial do exército russo, suas histórias individuais vêm à tona. O que eles contam, a forma como se relacionam entre si, o ambiente que os cerca e o dilema que assombra o veredito final revelam uma Rússia decadente e assombrada por sua herança política.
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AINDA A CAMINHAR
Última exibição em 10/10 às 21:30 - Espaço 2
Direção: Hirokazu Koreeda
por Luiz Fernando Gallego
O tema da morte percorre vários filmes do cineasta Koreeda e não deixa de estar presente neste Ainda a Caminhar, onde uma família faz sua reunião anual no aniversário da morte do filho mais velho que morreu tentando salvar um adolescente de afogar-se. Um irmão e uma irmã enfrentam o fato dos pais estarem mais ligados no ausente do que nos vivos.
O diretor remonta a origem deste drama familiar (no entanto sem grandes lances dramáticos) à morte de seus pais ocorrida nos últimos anos e àquilo que ficou de ser dito entre eles. O personagem da mãe (interpretada extraordionariamente pela atriz Kirin Kiki) teria muito da mãe de Kore-Eda, segundo suas declarações.
Mas o cinéfilo não pode deixar de remeter a experiência de ver este filme ao clássico de Ozu Era uma vez em Tóquio (Tokio Monogatari, 1953, lançado em DVD como Contos de Tóquio): um dos maiores filmes da história do cinema que narra a visita de pais idosos aos filhos - em cujas vidas não há mais lugar para os pais.
Em Ainda a Caminhar, algo se inverte: os filhos adultos é que não encontram espaço na vida dos genitores aprisionados às suas implicâncias de casal antigo - e principalmente à memória idealizada do primogênito morto.
Outra morte também foi determinante na vida do filho (agora o mais velho) Ryota, casado com uma jovem viúva e consequentemente padrasto do filho que ela já tinha, um menino de dez anos. Este casamento é mal recebido pelos pais, sendo dito que "casar com uma divorciada seria melhor, pois esta, pelo menos teria escolhido deixar o marido anterior".
O filme se desenrola em torno de um dia mais ou menos prosaico desta família, guardando semelhanças com muitos filmes mais ou menos recentes que puderam ser vistos por aqui como Horas de Verão, de Olivier Assayas; O Segredo do Grão, de Abdel Kechiche; ou mesmo 35 Doses de Rum, de Claire Denis (exibido neste Festival do Rio 2009). Ao contrário deste último, Ainda a Caminhar investe mais diretamente nos pontos de ligação do enredo e no tônus afetivo, sem deixar de lado o que aparenta ser “banal” no relacionamento dos membros do grupo familiar, uma característica comum das outras obras citadas e de muitos filmes recentes que lidam com retratos de famílias.
Muitos diretores atuais foram proclamados como “herdeiros” de Yasujiro Ozu por utilizarem aspectos formais que mimetizariam o estilo do mestre minimalista Ozu. No entanto, poucos desses supostos epígonos atingiram o pathos discreto do grande Ozu tal como Kore-Eda conseguiu neste seu filme, ao mesmo tempo preservando sua personalidade autoral e sem incorrer em imitações superficiais de quem quer que seja.
Além de Kirin Kiki (a mãe), todo o elenco se mostra perfeitamente adequado aos personagens, embora seja ela quem tenha as melhores oportunidades, tal como quando diz que “não ter alguém para odiar seria muito pior”. Ainda a Caminhar pode ser considerado desde já um dos grandes momentos deste Festival 2009.
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O MERCADO
apenas em 11/10 às 13:15 no Espaço 1
Direção: Ben Hopkins.
por Luiz Fernando Gallego
O ator Tayanç Ayaydin interpreta um pequeno comerciante turco, ‘Mihram’, no filme O Mercado e recebeu o prêmio de desempenho masculino no Festival de Locarno 2008. Sua presença desperta simpatia e ajuda bastante esta co-produção (Turquia/Alemanha/Reino Unido/Casaquistão) dirigida pelo inglês Ben Hopkins. No papel de um assustado tio de ‘Mihram’ que é seu eventual parceiro de contrabando e mercado negro, o bem mais idoso Genco Erkal faz uma ótima tabelinha com o “sobrinho”.
O Mercado está na mostra “Imagens da Turquia” do Festival do Rio 2009 e não faz feio: narrativa cinematográfica direta e firme, episódios bem roteirizados, boa fotografia e ótimos desempenhos. A história narra com certo humor meio-amargo os esforços do pequeno “comerciante” em um lugarejo do interior no sentido de permanecer “independente”. Para isso ele vai se indispor com outro mais poderoso do que ele na mesma área de “negócios”. Ilegais. Mas até médicos lhe pedem para arrumar medicamentos de qualquer jeito, já que houve roubo no hospital. Não raramente, alguém compra de volta algo que era seu e lhe foi roubado
As cenas de “road movie” da dupla tio-sobrinho e seus percalços acabam servindo como metáfora de um capitalismo mais do que selvagem, arcaico, mas que não deixa de ter suas “leis” de mercado, regulado pela lei da oferta e da procura mesclada com a tradicional arte de pechinchar típica do oriente médio, criando uma ciranda econômica de circulação de bens e de moeda algo peculiar. Ou nem tanto.
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35 DOSES DE RUM
11/10 às 15:15 no Espaço 1
Direção: Claire Denis.
por Luiz Fernando Gallego
A narrativa visual é elegante, a câmera está sempre bem posicionada, as interpretações dos atores é natural (sem “naturalismo rede globo”) e seus personagens são quase todos verossímeis em seus contextos sociais e na psicologia de cada um (pode-se questionar o tipo que tem um gato de estimação - e o aposentado sem família que não escapa do clichê).
Mas o filme lembra uma questão que Franz Kafka lançou sobre o Cinema: o escritor logo se mostrou mais preocupado com o que não via do que com o que era mostrado na tela. O que ele acharia de filmes como este que vão se detendo (e por vezes de modo bem longo) em cenas do dia-a-dia que “situam” os personagens mas que pouco (ou nenhum) significado dramático trazem para a evolução do enredo que já é intencionalmente tênue? Por outro lado, “pula-se” vários acontecimentos através de grandes elipses que não nos pareceram tão pertinentes para a dramaturgia e para a sequência dos fatos na vida daquele grupo de pessoas.
Um exemplo do primeiro caso é a cena de aula onde o professor critica um suposto pedantismo da personagem feminina principal: fica até a impressão de que tal cena foi colocada para aludir a questões econômicas entre o primeiro mundo e os países endividados, tal a pequena relação com o que seria nuclear no que é narrado. Do mesmo modo, a tomada em que se vê piquetes em uma greve universitária, ou o personagem que fala da ameaça do término do curso de antropologia e esta mesma ameaça podem deixar a impressão de gratuidade, já que não recebem nenhum desenvolvimento próprio e nem se inserem nos demais acontecimentos cotidianos daquelas vidas. Por outro lado, surgem na tela episódios como uma viagem do pai com a filha e o desfecho que chegam a parecer crípticos.
Com estrutura narrativa semelhante (a grosso modo), outro filme francês, relativamente recente, O Segredo do Grão, foi muito mais bem sucedido na mescla de sequências “banais” com outras mais “dramáticas”.
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A DOUTRINA DE CHOQUE
11/10 às 19:30 no Espaço 1
Direção: Mat Whitecross e Michael Winterbottom
por Carlos Alberto Mattos
Segundo Naomi Klein, existe uma linha semivisível conectando velhas experiências com o comportamento humano em universidades americanas, as teorias neoliberais de Milton Friedman, os golpes contra Allende e Estela Perón, a decadência da Rússia pós-comunista, as guerras das Malvinas, do Iraque e contra o terror. É a teoria do “capitalismo de desastre” implementada pela direita anglo-americana, que fomenta ditaduras e conflitos para garantir a sobrevivência do capitalismo selvagem, apelidado de livre mercado.
O livro homônimo de Naomi é transposto para a tela por Mat Whitecross e Michael Winterbottom sob a forma de uma conferência ilustrada por caudaloso e dinâmico material de arquivo. A lógica desenvolvida soa convincente – e arrepiante, quando se vê a influência nefasta dos “Chicago boys” se estendendo pelos quatro cantos do planeta, da década de 1970 até um ano atrás.
Como arrazoado cinematográfico, o filme só tem um defeito: por mais impactantes que sejam as cenas de arquivo, dá pena tirar a câmera do rosto e da voz de Naomi. Uma mulher linda e inteligente como ela só pode estar com a razão.
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SINGULARIDADES DE UMA RAPARIGA LOURA
11/10 às 19:45 - Espaço 2
Direção: Manoel de Oliveira
por Dinara G. Machado Guimarães
Não há nada de novo no amor, mas existe o novo no que o simbólico da palavra nele pode significar. É a impressão que fica da adaptação literária de Manoel de Oliveira, Singularidades de uma rapariga loura, baseado no livro de cunho realista de Eça de Queiroz, publicado em 1874, ou mesmo na leitura de um lindo poema de Fernando Pessoa através da voz de Miguel Cintra, antigo parceiro do diretor.
Inicia o filme com o passado no presente. Ele lhe dá um tempo novo e mesmo. Acaba bruscamente a ilusão de Macário [Ricardo Trépa] pela rapariga loura Luísa [Catarina Wallenstein] e de suas tentativas de fazer fortuna visando casar com ela, para, ao final, descobrir que sua musa é uma ladra. Sua idéia central é a de que se conta a um desconhecido, coisas vividas que não se contaria a um amigo ou à própria esposa durante a viagem de trem de Lisboa ao Algarve com as paisagens locais através da janela.
O filme seduz pela sensibilidade no desentranhar da palavra que sublinha a expressividade da imagem. Pela riqueza sugestiva dos olhares na teia dos diálogos, fiéis ao livro. Pela poeticidade no pormenor do gesto, do rosto da sedutora Luísa com seu leque, aparentemente pura e recatada. Pela perturbadora simplicidade dramática sem tantos fados melancólicos. Mas também pela ironia leve que conduz mais à reflexão do que à indignação ao mostrar a estatueta de Eça de Queiroz encomendada pelo presidente Salazar. Tocando no ponto irrecusável da paixão, tema sempre recorrente, da alegria e das tristezas que não têm fim, dá um ponto final. Talvez sintetize aí que sua obra de diretor de cinema mais velho em atividade no mundo, corresponda ao olhar que continua lhe impulsionando.
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HAIR INDIA
11/10 às 20:00 no Espaço 3
Direção: Raffaele Brunetti e Marco Leopardi
por Carlos Alberto Mattos
Cameron Diaz e o Bispo Macedo deviam ver esse filme. Ela, para saber de onde exatamente vêm os apliques que usa para alongar as famosas madeixas. Ele, para descobrir mais uma forma possível de explorar os fiéis de suas igrejas. Os documentaristas italianos Raffaele Brunetti e Marco Leopardi escolheram com olho clínico três pequenos núcleos de personagens: um comerciante italiano bem-sucedido no fluxo internacional de cabelos; uma jornalista de fofocas que espera seu aplique e nos guia pelo mundo fashion de Mumbai; e uma paupérrima família de Bengala, que faz sua peregrinação religiosa para doar os cabelos à espera de cura e indulgências.
É o suficiente para o filme desvelar todo um sistema perverso que tira partido da ignorância, da boa-fé e da tradição hinduísta. O longo processamento dos cabelos na fábrica da Great Lengths é como uma higienização dos laços sociais existentes entre os miseráveis que doam, os templos que vendem e as celebridades que consomem os fios humanos. Uma aula de documentário – sem retórica, sem entrevistas, apenas a observação e a convivência.
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VINCERE
11/10 às 21:30 no Espaço 2
Direção: Marco Bellocchio
por Luiz Fernando Gallego
Não se pode acusar Marco Bellochio de ser um cineasta pouco original em suas abordagens de questões políticas contemporâneas. Desde A China está Próxima (ainda em1967), passando por Olhos na Boca (1982) até o mais recente Bom Dia, Noite (2003), seus filmes surpreendem pelos ângulos insólitos através dos quais tenta discutir impasses da esquerda (e não só) nas últimas cinco décadas. Em Diabo no Corpo mesclou outro tema que frequentemente lhe interessa, o sexo (como em O Processo do Desejo de 1990), acabando por obter mais sucesso pelo escândalo de uma cena fellatio explícito do que pelas questões políticas.
É neste tipo de digressão (e ambição?) que muitas vezes seus filmes perdem rumo, deixando de lado excelentes premissas para se transformarem em leques excessivamente abertos, plenos de desenvolvimentos idiossincrásicos, nem sempre os mais interessantes para a obra final. Se em A Hora da Religião (2002) os caminhos vicariantes não comprometiam tanto o resultado da diatribe em que um homem ateu era comunicado pelo Vaticano de que sua mãe - que ele conheceu muito bem - poderia ser considerada Santa da Igreja Católica, em Il Regista di Matrimoni (2006) ficou a impressão de que o filme não dava conta de todas as aspirações pretendidas.
Em Vincere, Bellocchio revê um ângulo menos conhecido da biografia de Benito Mussolini: seu envolvimento com Ida Dalser que teria sido sua amante quando ele já era casado com 4 filhos. Ela se dedicou integralmente a ele e a seus ideais, usando toda sua fortuna para a fundação de um jornal fascista.
Em Bom Dia, Noite Bellocchio reescreveu o desfecho do trágico seqüestro de Aldo Moro pelo grupo terrorista Brigadas Vermelhas como um sonho protraído de realização de desejo (de que a História tivesse sido diferente). Desta vez, ele investe mais na vida da mulher que amou o futuro aliado de Hitler do que na vida pública (e mesmo em outros aspectos pessoais) do homem público. As canalhices da vida privada de um ditador ganham destaque maior do que seu patético governo ditatorial, frequentemente visto sob o ângulo de uma “bufoneria” – quando de fato o fascismo italiano foi trágico, apenas com menor destaque em relação às atrocidades nazistas na Alemanha.
É bastante sugestivo que Bellocchio tenha querido aludir a outro “bufão”, atualmente no governo italiano, Berlusconi – cabendo lembrar que enquanto se ridicularizava a incultura dos militares brasileiros em piadas, um estado terrorista se espraiava, vencendo de modo violentíssimo os ideais humanistas associados ao socialismo, matando gente e travando o desenvolvimento brasileiro por décadas.
Bellocchio mostra o ridículo do Mussolini real em cinejornais de época que falam por si só em som&imagem - mas não havia muito do que se rir. O roteiro acaba centrando sua segunda metade (ou mais tempo) na tragédia de Ida e do filho que ela teria tido com “Il Duce”, mostrando o aprisionamento da mulher pela conivência do poder médico-psiquiátrico asilar pervertido para interesses particulares dos poderosos. E em conluio com a Igreja Católica, perfazendo um enorme interesse político para o homem que antes menosprezava a religião, mas agora se servia dela (com anuência dos poderes eclesiásticos, é claro) para se manter governante sobre uma população de forte tendência submissa às supostas “leis de Deus” - e da Igreja, é óbvio.
Os cinejornais e muitos outros fragmentos de filmes de época também perpassam a estrutura de Vincere, deixando a impressão que Bellocchio também queria falar muito de Cinema, tanto quanto de Mussolini, Berlusconi, Igreja, Religião - e de sexo (a atração do futuro ditador pela bela mulher na pele da lindíssima atriz Giovanna Mezogiorno é essencial na primeira metade do filme).
Com tantos caminhos abertos e um enfático privilégio dado ao drama pessoal de Ida e de seu filho, Vincere perde bastante fôlego na segunda metade, ficando como um belo esboço que carecia de um melhor direcionamento do roteiro (e de tantas idéias) para servir ao cineasta instigante que Bellocchio sempre é. Mas com exceção talvez de seu primeiro filme (De Punhos Cerrados, de 1965), o diretor sempre parece melhor do que a obra.
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SALAMANDRA
12/10 às 13:30 no Espaço 2
Direção: Pablo Aguero.
por Luiz Fernando Gallego
Alba, uma mulher que esteve presa nos anos de chumbo argentinos pega o filho de seis anos que estava com a avó (sua sogra? a mãe de Alba?) e vai para o sul. Lá, adere a uma comunidade hippie. O filme se passa, deduzimos, pouco depois da redemocratização argentina e sugere que - lá como aqui - houve um “desbunde” de sexo & drogas, mas nada é dito sobre os antecedentes políticos de Alba ou dos outros personagens, agora naturebas e/ou drogados em estado de mendicância.
O filme usa aquele tipo de câmera que corre atrás da movimentação dos atores em cenas externas e internas, com a aparência de certo grau de improvisação. Apesar de contar menos de 90 minutos, logo fica cansativo, prolixo, com excesso de pontas soltas. O desempenho do menino poderia até ser comovente, mas incomoda ver um pequeno ator em cenas e situações tão bizarras.
O filme parece querer mostrar o quanto a ditadura militar argentina foi destrutiva e que o que se perdeu não se recuperará mais - tal como a sanidade mental de Alba (mas que pela atriz deixa a impressão que já não era das melhores). Só que para falar do que foi destruído não era necessário que o filme fosse tão mal construído - e incômodo. Até para ser nihilista é necessário algum modo de transformação do material bruto em linguagem cinematográfica - que neste filme é tosca.
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RACHEL
12/10 às 13:45 Espaço 3
Direção: Simone Bitton
por Carlos Alberto Mattos
São dramáticas e cheias de idealismo as imagens de jovens ativistas estrangeiros tentando impedir com seus corpos que os pesados buldozzers israelenses derrubem casas palestinas em operações na Faixa de Gaza. A americana Rachel Corrie era um deles. Tinha 23 anos em março de 2003, quando um buldozzer provocou sua morte. Se o ato foi direto ou indireto, intencional ou involuntário é apenas uma questão falsamente importante (um macguffin, diria Hitchcock) no filme de Simone Bitton, ela própria uma ex-soldada israelense.
O que se descortina na tela é um quadro mais amplo: as razões de jovens como Rachel para se arriscarem no International Solidarity Movement; a importância que esses “internationals” adquirem para as famílias palestinas que tentam proteger; os mecanismos legais que evitam a incriminação dos soldados envolvidos. A diretora usa com sobriedade documentos impressos e audiovisuais, assim como o diário e e-mails de Rachel. Por isso destoa o depoimento de um soldado não identificado com a intenção de caracterizar sadismo e irresponsabilidade por parte dos israelenses. Não precisava. O filme é mais complexo do que isso.
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ERÓTICA AVENTURA
12/10 às 15:15 no Espaço 1
Direção: Jean-Claude Brisseau
por Carlos Alberto Mattos em 07/10/2009
Nem erótico nem aventureiro. Dos três “estudos da sexualidade feminina” de Jean-Claude Brisseau, esse é o primeiro a que tenho oportunidade de assistir. Pois já chega. O engodo é duplo. De um lado, a bonitinha e insatisfeita Sandrine, em seus encontros iniciáticos, serve de ouvido intermediário para uma sucessão de explanações retóricas sobre a física do universo e a necessidade de ir fundo nas experiências para superar a rotina da vida. De outro, Sandrine se dispõe a participar de sessões de busca do prazer que passam do sexo grupal ao sado-masoquismo, à hipnose e à elevação mística, nessa ordem.
Imagine tudo isso com atores, cenários e diálogos que mais parecem aqueles velhos filmes pornô em que as personagens conversavam “seriamente” antes de cair na safadeza. E aqui nem a safadeza tem integridade. O discurso de auto-ajuda encontra a exploração erótica soft. Salve-se quem puder.
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AS PRAIAS DE AGNÈS
apenas em 12/10 às 15:30 no Espaço de Cinema 2
Direção: Agnès Varda
por Dinara G. Machado Guimarães
Agnès Varda, em seus documentários, tem sido uma catadora dos “inutensílios” - como nomeia nosso poeta Manoel de Barros. Desta vez, no astucioso autodocumentário As Praias de Agnès, sai à cata dos restos, dos vestígios de sua própria existência de artista independente. Mistura recordações entre metáforas, simbolismos, exposição de fotos as mais familiares, mas que uma vez registradas na inércia cinematográfica, tornam os conhecidos, estranhos. Compõe, nas mais reveladoras visualidades, encobrimentos. Faz citações em caleidoscópio, visuais e musicais, de suas técnicas estéticas, usando a fotografia, enxertos de seus filmes, instalações, dispositivos, quadros vivos, trucagens, bricolagens, bricabraques. “Toda memória é em desordem, toda sensação difícil de captar”, diz ela, revelando-se convencida de que memória é invenção.
Dos acasos da memória, dos improvisos, resulta a montagem caracterizada pelo salto, sem transição, das imagens as mais heterogêneas, na forma da colagem surrealista. A montagem da pulsão em psicanálise, articulada gramaticalmente em um se fazer ver [olhar], é como a montagem preferida pela artista. Uma montagem soberana, em relação à sintagmática do tipo narrativo submetido aos efeitos de causalidade e de continuidade. Ela corresponde à sua fantasia. Imaginário a todo vapor. Colagens que não são brincadeiras. Surpreendente. Outras praias.
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EU MATEI MINHA MÃE
apenas em 12/10 às 17:45 no Espaço 2
Direção: Xavier Dolan
por Luiz Fernando Gallego
Hubert, 16 anos, surge nas telas como um reclamão histérico, gritão e autocentrado. Suas queixas se dirigem quase que exclusivamente à mãe com quem mora e que ele diz odiar. No decorrer do filme, ela vai se mostrar bem pouco hábil em lidar com um adolescente tão “aborrecente” e com particularidades que o tornam mais “difícil” ainda. Mas ele mesmo comenta que seus colegas de mesma idade acham as mães chatas, mas nenhum odeia tanto a mãe como ele – que a culpa de tudo e de mais alguma coisa.
Apesar de ser quase simplória no modo de lidar com Hubert e de ter características de mediocridade e cafonice que o irritam (de modo exacerbado), também vai ficando claro que ela se esforçou dentro de suas limitações, privilegiando a “correção” e dedicação pragmática para suprir as necessidades materiais de uma dupla mãe-e-filho sem pai participante (deixou a família quando o garoto tinha 4 anos).
Em algum momento o rapazola vai dizer que é impossível amá-la e é impossível deixar de amá-la. A ambivalência adolescente, mesclando rompantes de fúria com tentativas de aproximação, é bem representada na construção do personagem. Embora a narrativa cinematográfica oscile entre o rotineiro e alguns tiques espertinhos, típicos de primeiro filme, o roteiro equilibra razoavelmente as razões de cada um em relação às falhas do outro. Tentando pinceladas de algum humor entremeando cenas rapidíssimas que comentam a ação ou refletem a visão de Hubert (algumas questionáveis), o filme consegue um retrato bem verossímil de situações familiares em que todos têm razão e – claro que - ninguém tem (toda) a razão (como cada um crê). O que predomina é a incompreensão solipsista.
No cômputo geral, o filme não consegue evitar a impressão de ser especialmente interessante para terapeutas de família, quase uma “case story” - ainda que deva ser louvada a ausência de maniqueísmo e de soluções fáceis no desenvolvimento da história. Os atores Anne Dorval (a mãe) e o próprio diretor-roteirista Xavier Dolan (20 anos passando muito bem pelos 16 do personagem) ajudam bastante por não caírem na caricatura fácil, evitando que seus personagens virem “tipos” sem nenhuma complexidade.
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RiP: UM MANIFESTO REMIXADO
12/10 às 20:00 no Espaço 3
Direção: Brett Gaylor
por Carlos Alberto Mattos
O Brasil ganha um destaque suntuoso nesse filme, como exemplo de cultura de compartilhamento elevada à categoria de projeto de estado. Mais realce que o Gil, o funk e os Pontos de Cultura brasileiros, só mesmo o super-sampleador Girl Talk, ídolo do diretor e web-ativista Brett Gaylor. Usando e abusando da estética do mashup (criação a partir de fragmentos de obras alheias), Gaylor constrói seu manifesto contra a noção de propriedade intelectual.
O eixo da oposição remixadores x grandes corporações deixa de lado um elemento raramente ouvido nesse tipo de argumentação: os artistas. Sim, pois nem todo mundo é Gil ou Radiohead, que andaram estimulando o livre download e reciclagem de suas criações. OK, não há por que esperar equilíbrio de um panfleto em que várias argumentações soam claramente manipulativas. Esse doc está longe de esgotar as muitas questões em torno do direito autoral de músicas e imagens. Mas, como bom material para discussão, cumpre seu objetivo principal.
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AQUÁRIO
apenas em 12/10 às 21:15 no Espaço 1
Direção: Andrea Arnold.
por Luiz Fernando Gallego
O segundo longa da diretora Andrea Arnold conta com uma revelação: Katie Jarvis (17 de idade) no papel de ‘Mia’ – que tem 15 anos, encontra-se sem colégio (expulsa da escola), não tem amigos, ambiciona ser dançarina popular (nem sabe bem como nem onde), capaz de armar barracos a todo instante. Sua mãe parece ter uns 30 anos, no máximo. O tratamento entre elas vai de “piranha” e “vadia” para baixo. Uma irmã mais nova completa a família desajustada de subúrbios pobres de Essex, Reino Unido.
A mãe (Kierston Wareing, de Mundo Livre, filme recente de Ken Loach) arruma um novo namorado que é boa-pinta e boa-praça, atencioso com as meninas - um papel dificílimo, muito bem defendido por Michael Fassbender (que também está em Bastardos Inglórios, o Tarantino mais recente).
Segundo filme, segundo prêmio do juri em Cannes (em 2006, com Red Road), revelando acuidade psicológica no desenvolvimento dos dois personagens centrais, especialmente no que diz respeito à cabeça de uma adolescente mais desajustada do que já seria nesta faixa etária.
Há duas cenas de sensualidade ultrajante – e pelo menos uma outra com certo grau de expectativa (“suspense”) sobre as atitudes desesperadas de ‘Mia’.
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UM OUTRO HOMEM
apenas em 13/10/2009 às 13:15 no Espaço 1
Direção: Lionel Baier
por Luiz Fernando Gallego
A premissa é interessante, especialmente para cinéfilos: ‘François’ muda-se para um lugarejo na Suíça por conta do emprego da namorada que é professora. Consegue trabalho como jornalista em uma publicação local cujo responsável se diz “gráfico” e não “editor”. Apesar de sua formação ser em francês medieval, ele terá que fazer de tudo para o jornalzinho, inclusive críticas de filmes, coisa que seu antecessor no cargo fazia muito bem... aos olhos da proprietária da sala de cinema local. A linguagem do falecido crítico na verdade era bisonha, mas agradava ao gosto do público da região – e à exibidora - assim como ao não-editor (gráfico). Um sucesso regional.
François não conseguiria reproduzir as sandices melosas do outro e, sem ter nenhuma ligação com cinema autoral, acaba copiando trechos inteiros de críticas de uma revista especializada com o jargão verborrágico, pretensioso e críptico como os de tantos textos sobre artes em geral, não só sobre cinema. Mas não dá para não pensar nos Cahiers e em seus imitadores.
Pena que o desenvolvimento do roteiro não seja tão satisfatório a partir do momento em que François fica atraído por ‘Rosa’ – que escreve sobre cinema em um jornal muito mais importante. Há cenas lamentáveis de intimidade pós-coito enquanto comem pratos orientais com os famosos “pauzinhos” aos quais nem todos se acostumam. Nada escatológico, mas gratuito, permitindo uma piada (à brasileira) com o termo “pauzinhos” e o que Rosa faz com eles e com o dito cujo de François.
A questão do plágio em jornalismo cultural e o questionamento sobre os que “sabem” e os que “não sabem” escrever sobre filmes pode sustentar algum interesse, assim como a funcional fotografia em preto-e-branco e a ótima composição dos atores: a menos simpática Rosa é defendida sem pudores por Natacha Koutchoumov, e o quase patético ‘François’ vai sendo levado adiante com competente seriedade (que acaba sugerindo ironia) por Robin Harsch, um ator em quem se deve prestar atenção, asim como ao diretor Lionel Baier. Mas filmes suiços por aqui... só em festivais mesmo.
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A CASA NUCINGEN
13/10 às 13:30 no Espaço 2
Direção: Raoul Ruiz
por Carlos Alberto Mattos
Jogos cerebrais, paradoxos temporais, vidas duplicadas, enigmas idiomáticos e geográficos – várias obsessões de Raoul Ruiz estão presentes nessa comédia de casa mal-assombrada. Passada no Chile, sugere um retorno do diretor (radicado na França) aos fantasmas de sua terra natal. A história credita oficialmente Balzac, cujo romance-título trata das artimanhas de um banqueiro, mas parece inspirada principalmente em Henry James. O protagonista, aliás, leva o nome do irmão de Henry, William James.
Ruiz não é do tipo que precisa de um contraponto natural para revelar o sobrenatural. Tudo nessa espectral mansão da Patagônia (o “Fim do Mundo”) é non-sense brincalhão, incluindo fantasmas, esqueletos, mortos-vivos e gente vertendo sangue alheio. Com uma dramaturgia capenga e uma fotografia pouco eficaz para o gênero, o filme caminha como um sonâmbulo do inverossímil para o tolo. A tendência é que a plateia reaja com galhofa – o que não faz jus à carreira do grande Ruiz, mas sim a este capítulo bem esquisito.
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CORNUCÓPIA
13/10 às 15:30 no Espaço 2
Direção: Juan Carlos Tabío
por Carlos Alberto Mattos
Parceiro de Tomás Gutiérrez Alea e um dos grandes diretores de comédias cubanas, Juan Carlos Tabío dá mostras de ter parado no tempo e perdido a mão nessa chanchada bem desgastada. Os boatos sobre uma fabulosa herança geram sonhos, precipitações e muitas confusões para um grupo de cidadãos de uma pequena cidade da ilha.
Como de praxe, as críticas light à pobreza, à burocracia e à censura em Cuba fazem a porção mais palatável do roteiro. Mas o filme se compromete demais com um humor caricato em torno de traições conjugais, cortejando velhos chavões da afetividade latina. As piadas metalinguísticas também soam mais antigas que as barbas de Fidel. O elenco é bom – sobretudo Jorge Perrugoría – e ainda melhor seria se não gritasse tanto, por vezes todos os atores ao mesmo tempo. Acho que Tabío exagerou no projeto de mostrar que seus conterrâneos, no fim das contas, convivem bem com suas carências de todo tipo.
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A PRÓXIMA ESTAÇÃO
13/10 às 21:30 no Espaço 2
Direção: Fernando Solanas
por Carlos Alberto Mattos
Fernando Solanas possui a característica – talvez única – de um grande político que é também grande documentarista. Assim, seus filmes acabam sendo críticas e propostas muito concretas sobre a Argentina. Este seu último doc examina a história do transporte ferroviário no país desde a época de sua implantação pelos europeus até o sucateamento atual, passando por uma privatização desastrosa, o abandono, roubos, desemprego, emigração, morte de pequenas cidades.
Solanas conduz sua argumentação à viva voz e colocando-se pessoalmente diante de vítimas, algozes e cúmplices do panorama que denuncia. Obtém relatos emocionados e reações embaraçadas de autoridades que parecem não ter o que dizer. A busca de evidências e testemunhos escoa para um final dominado pela retórica da propaganda e o pronunciamento poético (“Os trens voltarão”). O velho guerreiro dá mostras de continuado vigor com seu cinema de articulismo político, embora aqui o tema seja de interesse mais local que a sua trilogia recente sobre as crises argentinas.
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NAVIDAD
14/10 às 15:30 no Espaço 2
Direção: Sebastián Campos
Por Leonardo Luiz Ferreira
A residência de roteiros na França por intermédio do programa da Cinéfondation, do Festival de Cannes, auxiliou bastante o realizador chileno Sebastián Campos levando-se em consideração o avanço em termos de dramaturgia com relação a seu primeiro longa, La Sagrada Família, e Navidad. Ao menos conseguiu encontrar uma forma adequada para expor o conteúdo, que é bem distinta de sua estreia confusa repleta de maneirismos contemporâneos de câmera na mão e vontade de provocar de qualquer forma.
Navidad é sobre o encontro entre três pessoas em uma casa: um casal em crise e um agente catalisador de mudanças na forma de uma jovem de 15 anos. No princípio, Sebastián investe em tempos mortos dos namorados em que a trama não é revelada por inteiro; aposta-se apenas na criação de uma ambientação. Porém, o que parecia uma maneira promissora de contar a história começa a sofrer com as pretensões de surpreender através de elementos e fatos externos: uma carta é descoberta e encaminha para a revelação de uma relação homossexual. Para contornar e deixar em suspenso o que se extrai do conflito, o diretor coloca um terceiro vértice no triângulo, que de interessante em um primeiro momento, passa a ocupar toda a atenção na narrativa em uma história mal desenvolvida sobre ausência paterna.
Aos moldes do mexicano E Sua Mãe Também, de Alfonso Cuáron, Navidad traduz o rito de passagem dos jovens através de uma experiência sexual catártica. É nesses planos, e numa bela cena de dança, que Campos demonstra eficiência na realização e justifica que a razão de existir de seu longa está no olhar desse encontro. Entretanto, ainda falta maturidade ao diretor para perceber até onde deve levar adiante a sua narrativa e o que merece ficar implícito.
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PETRÓLEO BRUTO
14/10 às 15:45 - Espaço 3
Direção: Joe Berlinger
por Carlos Alberto Mattos
Por cerca de dois anos, Joe Berlinger documentou o litígio de camponeses e índios da Amazônia equatoriana contra a Chevron-Texaco por danos causados na exploração de petróleo na região: contaminação de águas, doenças, mortes, destruição de fauna e flora. A causa é nobre e toda divulgação, necessária. Mas o filme não escapa aos clichês de representação do gênero Davi x Golias.
Lá estão os humildes tropicais contra os prédios imensos das corporações; o herói local, que de tão esvaziado mais parece um talismã levado da selva para o campo de batalha; os ambientalistas americanos orientando as falas e convocando celebridades; mães pobres chorando suas perdas; advogados e porta-vozes das empresas desfiando sua lógica macabra. Berlinger limita-se a reportar e criar contrastes na edição.
Enquanto ainda se discute de quem foi a responsabilidade pelo chamado Chernobyl Amazônico, a população da floresta continua a sofrer as consequências. E Crude caminha para uma possível indicação ao Oscar, na onda verde que embala os docs nos EUA.
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TEATRO DE GUERRA
14/10 às 17:45 no Espaço 2
Direção: John Walter
por Carlos Alberto Mattos
O doc de John Walter pode frustrar e/ou surpreender. Frustra quem espera um making of da montagem nova-iorquina de Mãe Coragem em 2006. É pouco e truncado o que vemos do processo. O trabalho do cenotécnico, por exemplo, é apresentado pelo ângulo marxista da mais-valia do trabalho no capitalismo. E Meryl Streep não ocupa mais de 20% do tempo de tela. OK, que fantásticos 20%! Meryl atua e canta como o maior animal cênico de nossa era.
Mas o filme surpreende ao usar a atriz como gancho para um manifesto em prol do teatro épico brechtiano, misto de engajamento e distanciamento. Brecht, não Meryl, é o grande personagem. A análise que sua filha faz do depoimento do pai diante da tribuna macarthista é um primor de revelação audiovisual. Os paralelos entre a primeira montagem da peça, em 1949, e a de NY em plena guerra do Iraque procuram atualizar a relação entre arte e política, num tom mais de conferência acadêmica que de flagrante documental. Também nisso, o filme pode decepcionar ou causar admiração. Depende do que cada um espera.
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A CHINA CONTINUA DISTANTE
14/10 às 21:45 no Espaço 3
Direção: Malek Ben Smail
por Carlos Alberto Mattos
Só a citação final do Profeta Maomé vai esclarecer plenamente o título do filme. Mas não é preciso decifrá-lo para compreender o propósito do diretor Malek Ben Smail. Na pequena cidade onde, em 1954, a morte de dois professores detonou a revolta pela independência da Argélia, ele documenta pacientemente as mentalidades dos habitantes em busca de sinais do que significa, hoje, essa independência. Obtém não só testemunhos históricos importantes, mas sobretudo contradições e complexidades no trato com a cultura e a identidade nacionais.
Tudo se assemelha ao vocabulário dos filmes de ficção: a pesquisa de imagens elaboradas, as alternâncias de tempos, repetições, esboços de narrativa em continuidade, traços de uma realidade cuidadosamente encenada. Numa sala de aula, Smail faz milagres de captação espontânea à moda de Entre os Muros da Escola, flagrando inocência e apatia. Entre os mais velhos, encontra ambições ainda colonizadas e até uma certa nostalgia dos “milagres” operados pelos franceses. Um filme raro, que se desdobra com calma beleza em seus 120 minutos.
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O MENINO E O CAVALO
15/10 às 13:45 no Espaço 3
Direção: Michel Orion Scott
por Carlos Alberto Mattos
Em matéria de abordagem do autismo, o filme de Michel Orion Scott situa-se a meio caminho entre o tom “pra cima” de Autism: The Musical e o tom “pra baixo” de O Nome dela é Sabine. Durante uma viagem aventuresca do Texas às estepes da Mongólia em busca de cura xamânica para seu filho autista, o casal Isaacson é visto lutando contra as dúvidas e comemorando as pequenas vitórias. Mas os vemos também no stress dos retrocessos e nos momentos de profundo cansaço e desânimo perante um desafio hercúleo.
O pequeno Rowan tem uma relação especial com animais, principalmente cavalos, e esse é o fio condutor tanto da experiência, como do filme. A câmera viajante capta os comentários imediatos dos pais, em vez de reflexões ponderadas a posteriori. Daí um sentido de urgência, temperado pelo lirismo com que são tratados lugares e sentimentos. Daí também o espectador se envolver facilmente na obstinação e na doçura dos Isaacson.
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BIG RIVER MAN
15/10 às 17:30 no Espaço 1
Direção: John Maringouin
por Carlos Alberto Mattos
O esloveno Martin Strel é um nadador maratonista que – dizem – já percorreu a extensão de grandes rios como o Danúbio, o Mississippi e o Yang-tsé. O filme de John Maringouin faz a crônica de sua aventura pelo Rio Amazonas em 2007. Não sei se o feito é real, pois todo o noticiário baseia-se no blog do próprio atleta. No filme, quase tudo cheira a engodo. É um mockumentary que apresenta Strel como personagem de comédia. Ele é gordo, beberrão e não fala inglês. Logo, toda a narração é feita pelo filho, Borut, que não hesita em qualificá-lo como “o último super-herói do mundo”.
A ambiguidade entre fatos e ficção tem sido elogiada bem mais que o merecido. E a fotografia, premiada em Sundance!, mescla registros mais ou menos banais com vistosas imagens de arquivo da Amazônia, montadas para gerar suspense, falsa grandiosidade e uma mensagem ecológica vazia de tão genérica. Desconfio que estão comprando gato por lebre. A história do “homem-peixe” está menos para o homem-urso de Herzog que para Borat. É ocasionalmente divertido, mas não chega perto de nenhum dos dois.
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A CRIADA
Última exibição em 15/10 às 17:45 no Espaço de Cinema 2
Direção: Sebastian Silva
por Luiz Fernando Gallego
A empregada doméstica que fica com a mesma família por muitos anos, participando da intimidade de um grupo ao qual não pertence de fato, mas com o qual interage de forma ambígua, pode ser um tipo bem brasileiro. No caso, o filme é chileno, mas a questão não é exclusiva.
A Criada não repete Jean Genet nem Mulheres Diabólicas de Chabrol (inspirado no mesmo episódio real da peça de Genet), seguindo uma linha mais naturalista que escorrega (ou se quis intencionalmente) no patético. Com tal opção realista, de início pode soar pouco plausível a tolerância da patroa para com os desmandos da empregada que domina mais a casa do que a filha mais velha (e quase adulta) do casal. Mas se considerarmos a possibilidade de sutis (e intensos) mecanismos de dependência mútua entre dona-da-casa e uma fiel serviçal de vinte anos, vamos poder apreciar o desenvolvimento do roteiro e situações que seriam cômicas (o publico ri muito) sem deixar de ser sérias, até mesmo graves.
´Raquel´ é mal-humorada, antipática, arrogante e vive sentimentos de ameaça no sentido de perder - muito mais do que o emprego – o que parece viver como sendo o “seu lugar” (e função) no mundo. Ela está reduzida ao papel de criada daquela família - e qualquer outra ajudante contratada vai ser mal tratada por ela, ainda que já não dê conta de todo o serviço.
Seu temperamento e conduta são hostis como de uma criança insegura e ameaçada, apresentando reações primitivas e arcaicas. O desafio será enfrentar uma outra (terceira ou quarta) criada na mesma casa, ´Lucy´, que é mais esperta e bem situada, existencial e socialmente; além de ser bastante empática e capaz de acolher ´Raquel´ - em que pese esta ser tão espinhosa, arredia e belicosa. ´Lucy´ não entra no jogo de armadilhas. Vai funcionar? Vai haver vencedores e vencidos?
O filme, prêmio do Júri em Sundance e da crítica em Cartagena e (pela FIPRESCI) em Guadalajara, surpreende por sua acuidade psicológica no desenvolvimento do roteiro e no arco da personagem, defendida com admirável entrega pela (também premiada) atriz Catalina Saavedra.