Este texto foi escrito quando o filme foi exibido no Festival do Rio 2009
As referências cinematográficas abundam no mais recente filme de Pedro
Almodóvar: o “nome de guerra” de uma “bela da tarde” seria ‘Severina’
(como a do filme de Buñuel); a ‘Lena’ vivida por Penélope Cruz faz uma
sessão de fotos com cabelo, maquiagem e expressões faciais que
mimetizam Audrey Hepburn na época de Sabrina ou de
Bonequinha de Luxo e Infâmia; como em outros filmes de
Almodóvar, há alusão aos melodramas de Douglas Sirk, sendo que
Viagem à Itália, de Rossellini, é citado explicitamente. O
cinéfilo atento e aplicado pode encontrar muito mais referências,
embora a recriação mais feliz (e nem tão óbvia) seja de uma pintura de
Magritte em que os amantes se beijam com os rostos cobertos por panos
(aqui, lençóis). (No filme de Agnès Varda, As Praias de Agnès,
que também foi visto no Festival do Rio 2009, a diretora “encenou” o
mesmo quadro: de início tal e qual na tela original, mas logo
mostrando, abaixo dos rostos velados, os corpos despidos, sem lençol,
com direito à exposição de um pênis ereto. Varda está ousando aos 80
anos e Almodóvar, menos, aos 60 ?)
Uma resenha da crítica estrangeira na época em que este filme foi
exibido em Cannes (sem nenhuma premiação) denunciou que quem esperava
encontrar carne e sangue em Abraços Partidos, encontrará apenas
celulóide – o que não deixa de ser uma senhora decepção em comparação
ao que Almodóvar nos acostumou. Mas, infelizmente, mesmo que o
cineasta tenha querido mudar de tom, o resultado final é um tanto
anêmico.
O personagem central é um roteirista madurão que usa pseudônimo (como
a escritora de A Flor de meu Segredo). Tendo ficado cego, faz
contraponto à possibilidade de outros conseguirem fazer leitura labial
para filmagens sem som. Este recurso é utilizado pelo produtor de um
filme-dentro-do-filme que quer saber o que sua amante (‘Lena’) fala
sobre ele nos intervalos das tomadas. Ele usa seu filho para um
suposto making of que, de fato, é uma forma de espionagem; e recorre a
uma especialista em leitura labial que, quando é mostrada, faz a
platéia rir. Também pode ser muito engraçada a sinopse de um roteiro
com vampiros em bancos de sangue, sinopse apenas falada por um
ajudante do roteirista cego, aliás, uma digressão sem inserção no
enredo. Fala-se muito em filmes de Almodóvar - que geralmente
apresentam requinte visual na narrativa. Aqui, o recurso à informação
verbal pesa bem mais. E pesa.
Assim também a repetição do recurso de apresentar sua história em
flashbacks, com idas e vindas no tempo. Essa estrutura formal
funcionava à perfeição no roteiro de Fale com Ela, e menos
satisfatoriamente em Má Educação. Desta vez, parece estar se
tornando um hábito vicioso de Almodóvar: não há um equilíbrio
harmônico entre as cenas cômicas e as dramáticas - e nem mesmo as
“revelações” (como havia em Volver e em outros filmes do autor)
representam reviravoltas tão impactantes. Mesmo o que parecia um recuo
do tema da pedofilia para o gênero “noir” em Má Educação era
mais satisfatório e mais ousado do que acontece em Abraços
Partidos.
O risco de que Bergman se auto-acusou (fazer “filmes de Bergman”) e no
qual Fellini caiu (fazendo “filmes de Fellini”) parece estar ameaçando
o mais famoso cineasta espanhol da atualidade: repetição das mesmas
estruturas formais de roteiro, com ou sem pertinência em relação ao
tema e à história que se quer narrar, além de excesso de citações e
auto-citações, denunciando uma certa autoindulgência com um momento
menos inspirado.
# ABRAÇOS PARTIDOS (Abrazos Rotos)
Espanha, 2009
Direção e Roteiro: PEDRO ALMODÓVAR
Fotografia: RODRIGO PRIETO
Edição: José Salcedo
Música: Alberto Iglesias
Elenco: Penélope Cruz , Lluís Homar , Blanca Portillo , José Luis Gómez , Tamar Novas
Duração: 128 minutos
Site oficial: http://www.losabrazosrotos.com/