Críticas


BEIJO NA BOCA, NÃO

De: ALAIN RESNAIS
Com: PIERRE ARDITI, SABINE AZÉMA, LAMBERT WILSON
10.05.2009
Por Luiz Fernando Gallego
DIVERTIMENTO POUCO DIVERTIDO

Originalmente um cineasta da Rive Gauche, e na época“gauche” em todos os sentidos, Alain Resnais surpreendeu ao filmar Hiroshima, meu amor em 1959, com o roteiro de Margueritte Duras no qual uma francesa se relacionava com um soldado alemão durante a invasão nazista e - menos de quinze anos depois - com um japonês, ambos de nacionalidades “inimigas”: amantes nascidos em países que foram potências do “eixo” (o mal) e adversárias dos aliados (o lado do bem) durante a II Guerra. Uma obra-prima, um dos maiores marcos na evolução da linguagem cinematográfica e uma corajosamente saudável demolição de preconceitos sobre questões individuais em relação a estereótipos de tempos politicamente mais do que sombrios.



Lúcido, Resnais jamais se deixaria apreender em esquemas partidários: podia denunciar o horror do Holocausto no primeiro grande filme (grande, apesar da duração de um curta -metragem) sobre os campos da morte ainda antes de Hiroshima, em (Noite e Neblina, de 1955), mas saberia retratar de modo antecipatório e realista o impasse das esquerdas em A Guerra Acabou, de 1966. Antes deste filme, outra obra máxima da história do Cinema, Ano Passado em Marienbad (1961) e o provocativo e ainda hoje desconcertante Muriel (1963).



Recorrendo frequentemente a escritores talentosos para roteiristas de seus filmes (além de M. Duras, Alain Robe-Grillet, Jorge Semprun, Jean Gruault, Paul Éluard, Raymon Queneau, Jules Feiffer, Alain Ayckbourn, David Mercer, etc), Resnais iria dar cada vez maior ênfase, ao longo de sua carreira, a um traço que inicialmente parecia circunstancial: a teatralidade e o artifício que já se anunciavam de modo ostensivo em Marienbad, por exemplo; mas que neste filme estavam a serviço da genial fusão forma-conteúdo pelos meandros da imaginação de seus personagens quase virtuais.



A partir de Melô (1986), literalmente um melodrama teatral datado (dos anos 1930), porém magnificamente transposto (e revitalizado) para a linguagem do melhor cinema, Resnais mergulharia ainda mais em sua fascinação pelo artifício (também anunciado nos vários cenários que serviam magnificamente às cenas imaginadas pelo personagem central de Providence, 1977), mas que vem atingindo dominância algo gratuita - embora sempre estetizante - em seus últimos longas que chegaram ao Brasil fora de ordem: Amores Parisienses (de 1997), Medos Privados em Lugares Públicos (de 2006) e, finalmente, Beijo na Boca, Não (de 2003, mas só agora nas telas cariocas).



Filmado quando o cineasta já contava 81 anos de idade, não deixa de ser um exemplo de vitalidade e elegância na mise-en-scène da transposição – provavelmente integral – de uma opereta de 1925, ainda mais datada do que Melô. Se os atores com quem habitualmente vem trabalhando (Sabine Azéma, Pierre Arditi, Lambert Wilson) mostram-se afinados com o espírito de divertissement e se a câmera do cineasta ostenta a experiência e sabedoria de décadas em enquadramentos precisos, planos irretocáveis e movimentação fluente, nem mesmo com ajuda dos ótimos arranjos das cançonetas em inúmeros (e excessivos) números musicais, suas qualidades são suficientes para fazer menos leve a duração de quase duas horas de uma historieta tão boba e bem menos interessante do que outras tantas peças de vaudeville da mesma nacionalidade - como as de Faydeau, por exemplo.



O que se constata é que o sempre grande cineasta vem se servindo de textos infinitamente menos satisfatórios do que os de suas obras-primas mais antigas, como já havia sido observado no filme posterior, Medos Privados..., que, embora baseado em peça do mesmo Alain Ayckbourn do delicioso díptico Somoking/No Smoking (1993), oscilava entre boas idéias com desenvolvimentos estereotipados para seus personagens.



A mise-en-scène é, mais uma vez, de um expert, mas a forma brilhante está a serviço de um pobre entrecho que, por mais boa vontade que se tenha com a bobice do enredo, não se mostra tão divertido ao longo de seus 115 minutos.



# BEIJO NA BOCA, NÃO!

França, 2003

Direção: ALAIN RESNAIS, a partir de opereta de ANDRÉ BARDE (libreto), MAURICE YVAIN

Produção: BRUNO PÉSERY

Fotografia: RENATO BERTA

Elenco: PIERRE ARDITI, SABINE AZÉMA, LAMBERT WILSON, AUDREY TAUTOU

Duração: 115 minutos

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