Seria de um reducionismo imperdoável dizer que A Fita Branca (no original Das weisse Band - Eine deutsche Kindergeschichte), filme de Michael Haneke vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes de 2009, quer dar conta do que deveria ser a gênese do mal, a explicação para o nazismo. Às vésperas da 1ª Guerra Mundial, em um pequeno vilarejo da Alemanha, violentos acontecimentos, esporádicos e sem explicação, começam a acontecer. A câmera de Haneke passeia pelos núcleos familiares da pequena comunidade, a casa do pastor, a escola, a mansão do Barão, o casebre do empregado. Uma queda de cavalo, o sumiço de uma criança, a morte de uma mulher; pais duros, filhos submissos, jovens revoltados, intolerância, pedofilia e castidade. Sobressai, acima de tudo, nas relações entre os personagens, a impossibilidade do diálogo. Não por acaso, guerras também acontecem quando não há possibilidade de diálogo. E é exatamente dessa dimensão, humana e dolorosa, que se trata aqui. À pergunta como surgiu o nazismo, Haneke prefere insinuar como fazer para que haja o nazismo.
A Fita Branca conta com um elenco de interpretação seca, forte e direta, sem nenhuma concessão ao melodrama. Acompanhamos a ação do ponto de vista do professor, que é também o narrador do filme, de cujas lembranças nós somos testemunha. Dos personagens à fotografia, tudo e todos estão sujeitos a regras, tradições, morais inflexíveis, distâncias, e relações de poder. Filmado em preto e branco, não usa trilha sonora e não se preocupa em fazer maiores concessões ao espectador. Mais uma vez, da mesma maneira que em Caché (2005), A Professora de Piano (2001) e Funny Games (1997, em alemão, e refilmado em inglês, em 2007), Michael Haneke mostra especial predileção para o desconhecido, para aquilo que não tem explicação, e faz uso do extra-campo cinematográfico de maneira impecável. Se em Caché o extra-campo era incorporado na diegese a partir da lógica da câmera de vigilância, em A Fita Branca ele é incorporado como traço mesmo do cineasta, como afeição por tudo que fica na sombra. É literalmente olhar a coisa pelo dark side.
As noções de ‘campo’ e ‘fora de campo’ sempre trouxeram relações complexas ao cinema, quando aquilo que não aparece se torna parte integrante (e modificante) da narrativa. É o que acontece em A Fita Branca. Não presenciamos qualquer um dos estranhos acontecimentos que começam a acontecer no vilarejo. Interessa menos a Haneke mostrar a ação do que o mecanismo de funcionamento do mundo onde ela surge. Menos uma pedra jogada no centro de um lago, que a formação dos círculos concêntricos ao redor da ação. Tudo o que acontece, acontece longe do nosso olhar. Nos sentimos perdidos como as crianças do filme que descobrem que a morte sempre chega uma hora, que é preciso abrir mão do que se ama, e que nem sempre a vida é justa. Só se perde a inocência uma vez. E quando é preciso usar uma fita branca atada ao braço, ou presa no cabelo, para lembrar-se dela, o que fica é uma profunda distância entre aquilo que se deveria ser, mas não é, e aquilo que se é, mas não se sabe explicar. É nesse enorme vácuo, e na angustia, do desconhecimento de si e do que se é capaz, que podemos começar a pensar numa resposta.
A FITA BRANCA (Das weisse Band - Eine deutsche Kindergeschichte)
Austria, Alemanha, França e Itália, 2009
Direção e Roteiro: MICHAEL HANEKE
Fotografia: CHRISTIAN BERGER
Edição: MONICA WILLI
Direção de arte ANJA MÜLLER
Elenco: CHRISTIAN FRIEDEL, LEONIE BENESCH, BURGHART KLAUBNER, ULRICH TUKUR, SUSANNE LOTHAR.
Duração: 144 minutos