Críticas


ILHA DO MEDO

De: MARTIN SCORSESE
Com: LEONARDO DiCAPRIO, MARK RUFFALO, BEN KINGSLEY, MICHELLE WILLIAMS
13.03.2010
Por Luiz Fernando Gallego
O ENREDO JÁ ERA RUIM

Em entrevista concedida no Festival de Berlim deste ano o diretor Martin Scorsese deu a entender que o elenco estelar deIlha do Medo (Leonardo DiCaprio, Ben Kingsley, Mark Ruffalo, Michelle Williams, Max Von Sydow, etc) faria parte da estratégia da Paramount Pictures no sentido de promover um filme de atores famosos (e com potencial de bilheteria como DiCaprio) unidos a um cineasta de prestígio.



Os primeiros dias de exibição nos EUA sugerem que a promoção estaria funcionando. Resta saber se o pique de sucesso vai se manter ou cair, como às vezes acontece com filmes de grandes nomes com alta expectativa - que, no entanto, não se concretiza. Pois a receptividade em Berlim foi, no mínimo, reticente, segundo as notícias que aqui chegaram pelos jornais, correspondentes e colegas da crítica que estiveram lá.



Nessa mesma entrevista Scorsese conta que entrou neste filme depois de cinco meses de negociações frustradas para realizar The Wolf of Wall Street (que também teria DiCaprio no elenco, tal como nos três filmes anteriores que ele dirigiu). O estúdio não se resolvia e Scorsese cansou de esperar: “Eu tinha que trabalhar!”, desabafou. Isso talvez explique a adesão do cineasta a um enredo tão decepcionante como o de Paciente 67, o pior livro policial de Dennis Lehane publicado por aqui. Em outras declarações o cineasta diz que não gostou do romance inicialmente. Pena que não manteve sua primeira impressão.



O autor do excelente Mystic River (lançado no Brasil como Sobre Meninos e Lobos e filmado com sucesso por Clint Eastwood) em Shutter Island (título original) criou uma trama rocambolesca que pretende se resolver com uma "explicação" fácil - e que não vamos mencionar -, usada e abusada em centenas de obras de ficção mais ou menos bem sucedidas na abordagem de temas ligados à doença mental. O que é mais grave é que, não satisfeito com este recurso, sua trama ainda é concluída com outra informação "resolutiva" do clima de pesadelo geral que soa absurdamente inverossímil mesmo dentro de um contexto ficcional diegético cuja ficção estaria relacionada a um pano de fundo realista. Afinal, há menção explícita dos piores medos norteamericanos (e não só) no início dos anos 1950: a paranóia anticomunista do MacCarthysmo, o temor de uma guerra nuclear e as cicatrizes do nazismo - meio que negadas na euforia pós-guerra, mas que estavam mais do que latentes nos que haviam presenciado o horror.



É a partir deste horror (a tomada de um campo de concentração e o que se viu e se fez) que o personagem de Leo DiCaprio parece sofrer de enxaquecas terríveis e crises de angústias abissais reveladas em pesadelos tenebrosos. Além disso, ele conta que perdeu sua mulher em um incêndio criminoso no prédio onde residiam. Um contacto extemporâneo com um antigo conhecido lhe teria sugerido a prática de experiências médicas nada éticas em doentes mentais como ecos das barbaridades nazistas. Era a época das cirurgias de lobotomia cerebral, recurso extremo que chegou a merecer o Prêmio Nobel de 1949, cinco anos antes de quando se passa a história do filme.



Com isso tudo, o personagem, como agente federal, teria que investigar o desaparecimento de uma paciente em uma colônia penal/manicômio judiciário para pacientes graves que cometeram crimes terríveis em estados psicóticos.



Caça às bruxas (comunistas) e medo de bombas atômicas complementam o cardápio de alusões concretas do roteiro, aliás, bastante fiel ao romance original.



Mesmo questionando-se o livro de Lehane, ao lembrarmos o que Scorsese conseguiu fazer com o original Cape Fear de 1962 em sua refilmagem de 1991, poderíamos nutrir esperanças quanto à capacidade do cineasta em reinventar roteiros e filmes. O Círculo do Medo (como foi intitulado aqui) dos anos 1960 não passava de um filme mediano/medíocre e relativamente ousado para a época. Robert Mitchun encarnava um psicopata que tentava se vingar do promotor público (Gregory Peck) que o denunciara por estupro; e tentava seduzir a esposa e a filha do correto promotor com sua família certinha. Na versão de ’91, Peck aparecia como um advogado venal do psicopata (Robert De Niro) e Mitchum era um policial boa praça. E não era nada “certinha” a família do advogado de defensoria pública (e não mais promotor) que na verdade trabalhara a favor da condenação do réu, o que dava ao bandido um álibi para a vingança. O tema da rendenção, caro ao ex-seminarista Scorsese fazia presença de modo inteiramente "pouco católico",



Independente do enredo criativo e subversivo em relação ao anterior, a câmera de Scorsese em Cabo do Medo (que era outro projeto de ambição mais comercial e de encomenda) mostrava-se admirável na criação de um clima de pesadelo e arriscando um estilo “grand-guignol” exacerbado que atingia as raias do absurdo em um fio de navalha próximo ao ridículo. O inverossímil conseguia passar através do recurso ao clima oniróide.



Infelizmente, em Ilha do Medo (qualquer semelhança é mera coincidência nos títulos nacionais dos dois filmes?), o guignol em cenas de pesadelos (mostrados como pesadelos mesmo) soa apenas patético. Isoladamente há momentos em que se percebe que há um grande cineasta atrás da câmera, como em um travelling em que a câmera desliza por trás de um grupo que está sendo fuzilado; ou em uma tomada do alto com DiCaprio dentro de um lago. Pode haver outras mais, mas no todo o filme como tal é tão insatisfatório quanto o romance que lhe deu origem.



Da mesma forma, o elenco de Cabo do Medo rendia admiravelmente como no dueto entre a então muito jovem Juliette Lewis e um repugnante Robert De Niro em cena antológica passada no palco da escola da adolescente. Mas nesta Ilha do Medo, há um certo miscasting do ator central para seu personagem, apesar dos esforços de Leo DiCaprio que vem se mostrando cada vez mais competente (como em Foi apenas um Sonho). E o que Patrícia Clarkson poderia fazer com seu quase-monólogo em um trecho de “barriga” no terço final do filme (que chega a se arrastar com as “incogruências” que vão ser “explicadas” de modo tão insatisfatório mais adiante)? Para não falar de Ben Kingsley com sua persona habitual no tipo “devo ser um vilão – ou será que não?”.



Melhor aguardar que Scorsese consiga realizar seu projeto abortado The Wolf of Wall Street. Desta vez, a empreitada mais comercial não convenceu.



# ILHA DO MEDO (SHUTTER ISLAND.)

EUA, 2010

Direção: MARTIN SCORSESE

Roteiro: LAETA KALOGRIDIS, baseado em livro de Dennis Lehane

Fotografia: ROBERT RICHARDSON

Edição: THELMA SCHOONMAKER

Direção de Arte: MAX BISCOE, ROBERT GUERRA, CHRSITIAN ANN WILSON

Elenco: Leonardo DiCaprio , Mark Ruffalo , Ben Kingsley , Emily Mortimer , Michelle Williams, Patricia Clarkson, Max Von Sydow.

Duração: 148 minutos

Site oficial:: http://www.shutterisland.com/

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