No recente filme britânico, Educação parecia haver uma advertência curiosamente anacrônica às jovenzinhas dos anos 1960 contra os “don juans” sedutores, mas sem caráter. Agora, neste francês Diário Perdido, há um certo clima extemporâneo de woman’s lib para os anos 1950.
Claro que o machismo de casamentos marcados pela dominação patriarcal intolerante soterrava muitos direitos femininos mais do que legítimos - e impedia a maior realização profissional das mulheres; mas no presente esta denúncia parece atrasada e/ou pleonástica (pelo menos para uma família ocidental como a retratada no filme).
O roteiro vai evoluindo em dois tempos: na atualidade, um conflito entre uma mãe dura, rígida, tensa (Catherine Deneuve, especializando-se em mães complicadas e complicantes) e sua filha preocupada com uma gravidez inesperada (Marina Hands); no passado, a avó desta personagem mais jovem é imaginada pela neta em suas angústias de aprisionamento familiar, sendo responsabilizada e criticada por ter abandonado a família. Daí o rancor da personagem de Catherine Deneuve, (totalmente edípica na defesa radical do pai abandonado, embora tenha se tornado médica, realizando uma carreira profissional como a mãe dela desejaria ter alguma, mas lhe era interditada; até para abrir conta em banco, a mulher precisava de autorização do marido). Também desses conflitos é que vem o título original, “Mães e Filhas”, repetindo incompreensões entre gerações pelos mais variados motivos.
Mas também há um certo mistério sobre o destino da avó, vista apenas como uma jovem mãe e esposa (Marie-Josée Crouze), destino que o roteiro explicará de forma muito insatisfatória ao buscar uma “surpresa” para o espectador. Até aí o filme já vinha meio que claudicando entre passado e presente, e se repetindo demais em queixas choramingas de filha sobre mãe seguidas de reações ríspidas (mas também magoadas) de mãe sobre filha.
O desfecho-surpresa inconvicente ajuda a derrubar o interesse que ainda dava para ser mantido graças às atrizes, especialmente à bela Marie-Josée Crouze, agora loura e muito bem vestida à moda da época, provando ser bem versátili em relação ao seu papel mais famoso e premiado (a usuária de heroína em Invasões Bárbaras). Marina Hands, que também esteve em Invasões como a noiva do filho yuppie, surpreendeu no excelente Lady Chatterley de 2006, mas aqui parece estar mais incomodada com o papel do que a personagem com a mãe. Catherine Deneuve surge com pouca maleabilidade afetiva, mas essa característica é da personagem que ela enfrenta sem atenuar o tipo (ainda que seja mais um estereótipo do que um tipo).
Na verdade, são atrizes carismáticas (Marina bem menos que as outras duas) e quando contracenam demonstram boa interação e a coisa parece andar(ainda que o velho recurso de uma personagem do presente estar no mesmo cenário de outra do passado surja apenas como uma cópia pálida de tantos outros filmes melhores que fizeram isso com maior pertinência). Fica a impressão que as atrizes melhoraram - dentro do possível - o que lhes estava destinado dramaticamente
No final das contas, o que resta é um filme também estereotipadamente “francês” com fotografia agradável, interiores nostálgicos, roupas elegantes dos anos ’50, atrizes interessantes, mas que – mais uma vez – acaba sendo outro filme francês querendo ser americano: no caso, parece que a idéia foi a de um filme “para mulheres” (e em defesa das mulheres antigas e atuais) tal como no antigo Tomates Verdes Fritos. Mas (parafraseando Caetano) acaba atacando hoje o que já acabou ontem.
# DIÁRIO PERDIDO (Mére et Filles)
França/Canadá, 2009
Direção: Julie-Lopes Curval
Roteiro: Sophie Hiet
Fotografia: Philippe Guilbert
Música: Patrick Watson
Elenco: Catherine Deneuve, Marina Hands, Marie-Josée Crouze, Michel Duchaussoy , Jean-Philippe Écoffey.
Duração: 105 minutos
Site oficial: http://www.bacfilms.com/fichesalles.php?id=455