Depois de cinco anos filmando na Inglaterra e Espanha, o mais recente filme de Woody Allen lançado no Brasil o levou de volta a Nova York, ainda que apenas atrás das câmeras. Ou não, já que o personagem ‘Boris Yellnikoff’, vivido por Larry David, tem muito do próprio Allen e, na verdade, interpreta uma espécie de alterego Woodyalleniano – e com mais sucesso do que conseguiu Kenneth Branagh em Celebridades, de 1998.
O roteiro é anterior a 1977, ano em que foi engavetado por ter falecido o ator Zero Mostel (mais lembrado por Primavera para Hitler de Mel Brooks), para quem W. Allen havia idealizado este projeto. Eles haviam contracenado um ano antes da morte de Mostel em um dos poucos filmes em que Allen esteve apenas como ator (Testa-de-Ferro por acaso, dirigido por Martin Ritt).
Não sabemos se por isso é que este Tudo pode dar certo deixa a impressão de que repete alguns recursos conhecidos de outros filmes do cineasta posteriores a ‘77: como em Melinda e Melinda (2005) e Broadway Danny Rose (1984), a narrativa parte de uma conversa de amigos em torno de uma mesa de bar; o personagem central, ‘Boris’, se dirige à plateia do cinema onde estamos assistindo à projeção (um pouco como em Rosa Púrpura do Cairo, de 1985, quando os personagens de um filme dentro do filme falavam com a espectadora interpretada por Mia Farrow); este mesmo ‘Boris’ é físico - como o padrasto de Setembro (1987) - e também comenta sobre a pequenez do ser humano frente ao universo infinito; no desfecho há algo de Era do Rádio, também de ‘87. E novamente temos um homem (agora bem) mais velho se relacionando com uma mocinha - desta vez, com citação explícita da trama de Pigmaleão, de Bernard Shaw, e do personagem professor de fonética que tenta ensinar algo a uma moça inculta.
Se estes traços trazem marcas registradas do cineasta, por outro lado, e de modo pouco habitual nos filmes posteriores a Annie Hall (’77), o antigo (e não-revisto?) roteiro se precipita em direção às cenas que empurram a história para frente de modo um pouco desalinhado, tal como na aceitação rápida e bem pouco verossímil de ‘Boris’ albergar em sua casa a jovenzinha ‘Melody’ (Evan Rachel Wood, também com ótima participação). Se isso não chega a prejudicar vários bons lances humorísticos e leva o enredo a se deter no essencial, há uma certa dispersão que traz estranhamento quando tudo converge no desfecho de modo um tanto arbitrário e eventualmente forçado - ou menos inspirado (como no que diz respeito ao personagem de Ed Begley Jr que faz o pai de ‘Melody’).
Já a identificação da insuspeitada Galatéa-Melody com o pessimismo e azedume de ‘Boris’ rendem boas tiradas cômicas ao encargo de Evan Rachel Wood, pontuadas pelo eterno mau humor bem gaiato que Larry David transmite. Não se pode deixar de destacar ainda a sempre ótima Patrícia Clarkson que ajuda a “dar liga” à trama paralela de sua personagem.
São os ótimos desempenhos dos atores que amarram os desenvolvimentos um tanto frouxos do roteiro. Muitos filmes de Woody Allen apresentam essa multiplicidade de personagens com sub-enredos paralelos, mas conseguindo mais unidade no resultado final. De qualquer modo, Tudo pode dar certo é divertido do modo como diz o título original: desde que dê certo... vale qualquer coisa.
# TUDO PODE DAR CERTO (WHATEVER WORKS)
EUA/França, 2009
Direção e Roteiro: WOODY ALLEN
Fotografia: HARRIS SAVIDES
Edição: ALISA LEPSTELLER
Elenco: LARRY DAVID, EVAN RACHEL WOOD, PATRICIA CLARKSON, ED BEGLEY Jr.
Duração: 92 minutos
Site oficial: http://www.sonyclassics.com/whateverworks/