Críticas


TUDO PODE DAR CERTO

De: WOODY ALLEN
Com: LARRY DAVID, EVAN RACHEL WOOD, PATRICIA CLARKSON
26.04.2010
Por Daniel Schenker
DEBOCHADO PORTA-VOZ DA DECADÊNCIA

Boris Yellnikoff é uma metralhadora giratória. Exalta sua genialidade por ser o único portador de uma visão total dos acontecimentos (o que significa enxergar os espectadores e poder, portanto, conversar com eles). Yellnikoff joga na cara do público o seu descontentamento com o ser humano. Não mede as palavras para expressá-lo. Chama atenção para o fato de que todo mundo se acostuma com qualquer coisa, limitando-se a expressar um “que horror!” ocasional. Evoca o passado ( Pigmaleão , de Bernard Shaw, Fred Astaire), atendo-se não só às altas referências como aos marcos populares ( ...E o Vento Levou ). Yellnikoff reflete talvez uma oportuna postura nostálgica de Woody Allen, atento à desvalorização crescente da cultura.



Paranóico, hipocondríaco e descrente, Boris Yellnikoff (interpretado por Larry David) exclama: “as aspirações românticas da nossa juventude se reduzem, ao final, ao que poderia dar certo”. Mas é surpreendido pelo acaso, quando encontra Melodie (Evan Rachel Wood), jovem do Mississipi, na entrada de seu prédio e decide abrigá-la (decisão, diga-se de passagem, não muito crível). Woody Allen, de início, enumera situações divertidas a partir da postura do cosmopolita Yellnikoff, que não hesita em debochar dos costumes interioranos da moça. Depois, passa a registrar o envolvimento dele com Melodie, condição que gera alguma mudança no personagem, ainda que não a ponto de abrir mão de seu humor corrosivo. O tom ácido e ferino é reforçado pela súbita chegada da mãe carola dela, Marietta, em embates sustentados por diálogos afiados e pelo ótimo timing de Patricia Clarkson.



Tudo pode dar Certo traz Woody Allen de volta a sua imortalizada Nova York depois de alguns anos filmando em países da Europa e reúne uma galeria de personagens que proporciona uma espécie de concentrado de épocas. Yellnikoff experimenta o desapego ao trocar uma vida abastada e conectada aos ideais yuppies por um apartamento modesto, em acordo com a sua postura de porta-voz da decadência do mundo atual. Marietta desembarca do Mississipi e passa por uma transformação súbita ao se deparar com um mar de possibilidades na “esquina do mundo” e abraça certos elementos da plataforma hippie, não só no modo de se vestir como no abandono da monogamia.



À medida que a projeção avança, os mais velhos se liberam (o desenlace do pai de Melodie não é convincente) e os mais jovens parecem aderir às convenções. Woody Allen aponta para um desfecho em moldes tradicionais. Cabe perguntar se esta opção decorre, em alguma medida, da percepção de que o mundo se tornou mais careta. Seja como for, Allen não examina este panorama à distância: não há como deixar de traçar paralelos entre a relação Yellnikoff/Melodie e seu vínculo com Soon-Yi, filha adotiva de sua ex-mulher, Mia Farrow.



# TUDO PODE DAR CERTO (WHATEVER WORKS)

EUA, 2009

Direção e Roteiro: WOODY ALLEN

Produção: LETTY ARONSON, STEPHEN TENENBAUM

Fotografia: HARRIS SAVIDES

Montagem: ALISA LEPSELTER

Elenco: LARRY DAVID, EVAN RACHEL WOOD, PATRICIA CLARKSON

Duração: 92 minutos







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