Perdoem a grosseria da expressão “podem tirar o cavalinho da chuva”, mas é o que somos compelidos a opinar para algum espectador que ainda guarde boas expectativas sobre o que poderia nos oferecer o diretor Atom Egoyan, prestigiado por prêmios dados a filmes como Exótica (1994), O Doce Amanhã(’97) e Ararat (2002), dentre os que realizou e que são mais conhecidos no Brasil.
Mesmo depois de decepções mais ou menos desastrosas como foram O Fio da Inocência (’99) e o mais recente Adoração (2008) – que depois de exibido nos festivais do Rio e SP acabou saindo direto em DVD – a refilmagem de Natalie X (de Anne Fontaine, 2003) com Julianne Moore no papel que foi de Fanny Ardant certamente pode deixar excitada a curiosidade do cinéfilo - e o argumento original tratava mesmo de... excitação (seja com o que se vê, seja com o que apenas se ouve contar).
A mania americana de refazer roteiros já levados à tela em outras linguas que não o inglês não é apreciável em si mesma, especialmente quanto aos resultados (uma exceção é Os Infiltrados, de Martin Scorsese). E o filme francês Natalie X nem mereceria uma refilmagem: era um argumento insólito que teve a felicidade de ser interpretado por duas excelentes atrizes. Além de Fanny Ardant, Emmanuelle Béart teve excelente participação (além de estar deslumbrante), compondo um dueto erótico baseado apenas nas narrativas de uma (Béart) e na escuta com mínimas (mas significativas) reações no semblante da outra (Ardant).
Como não querer ver o que Julianne Moore faria na mesma situação? Afinal, ela é uma das melhores atrizes americanas atuais – se não for “a” melhor, ainda que raramente em filmes dignos do seu talento: como escolhe mal seus papéis! E novamente - e lamentavelmente - fez outra péssima escolha: Chloe (título original) apenas repete o gancho da esposa que desconfia que o parceiro esteja transando por fora do casamento e acaba por pagar uma garota de programa classuda para conferir se o maridão é vulnerável às tentações. A garota deve lhe contar tudo o que vier a se passar entre ela e o sujeito que passaria a ser vítima de uma espécie de pegadinha, só que muito mais para o sério - ou mesmo para o dramático.
Quem não viu o filme francês faria melhor em alugar o DVD e renunciar à fidelidade a Julianne Moore. O novo roteiro parte da mesma base, mas recebeu acréscimos neste O Preço da Traição - que é o imbecil título recebido no Brasil, criticado pelo próprio Egoyan. Mas nada pior do que o que vai se desenrolando na tela. Não adianta de nada a já gasta carpintaria do cineasta com suas imagens muitas vezes bem enquadradas ou seus movimentos suaves de câmera com fotografia em tons suaves. Espelhos, reflexos, esquadrias que fazem novos enquadramentos dentro do quadro, tudo isso acaba servindo para deixar ainda mais gritante a grosseria do novo enredo, trocando o que era mais sutil no original por um desenvolvimento grotesco, menos verossímil e com lances de “suspense” enxovalhados. Enfim, a concretude em vez da sugestão, da ambigüidade e da complexidade.
Se Egoyan e a roteirista Erin Cressida Wilson pretenderam mostrar como no bojo do voyeurismo da esposa (frequentemente chamada de invasiva, pelo filho e pelo marido) já havia a semente de mais fantasias (e passagens ao ato) perversas, ele o fez com a sutileza de um “analista de Bagé” dando joelhaços sem nenhuma delicadeza, tal a pretensão de estar fazendo algo “novo” que parece recheado de toques que lembram velhos filmes como Instinto Selvagem ou Atração Fatal.
E como agravante, a interpretação de Amanda Seyfried é mal resolvida - e sua cara de boneca ‘Barbie’ soa uma afronta para um papel que já foi de Emmanuelle Béart no auge da beleza.
Quanto a Julianne Moore, só nos resta torcer para que ela troque de agente e filme menos, mas melhores filmes. Nem mesmo seus bons momentos na parte inicial, quando o filme ainda não desandou de vez, salvam o desastre de mais uma refilmagem inútil e piorada em relação ao original. Na verdade, dizer "tirem o cavalinho da chuva" sobre este filme nem é grosseiro comparado ao que o filme é.
# O PREÇO DA TRAIÇÃO (CHLOE)
EUA/Canadá/França, 2009
Direção: ATOM EGOYAN
Roteiro: ERIN CRESSIDA WILSON, baseado em roteiro original de Anne Fontaine e outros.
Fotografia: PAUL SAROSSY
Edição: SUSAN SHIPTON
Música: MYCHAEL DANNA
Elenco: JULIANNE MOORE, LIAN NEESON, AMANDA SEYFRIED
Duração: 96 minutos
Site oficial: http://www.sonyclassics.com/chloe