Críticas


HOMENS EM FÚRIA

De: JOHN CURRAN
Com: ROBERT DE NIRO, EDWARD NORTON, MILLA JAVOVICH
23.10.2010
Por Luiz Fernando Gallego
NEM TANTA FÚRIA EXTERIOR

Sob o título nacional Homens em Fúria (que pode soar enganador para quem espera um filme de ação), Stone reúne o ator Edward Norton ao diretor John Curran com quem já trabalhou em O Despertar de uma Paixão, 2006 (The Painted Veil). No filme anterior, Norton fazia um médico dedicado a uma tarefa árdua que também poderia ser uma punição à sua esposa (que havia tido um caso extraconjugal) ou a si mesmo. De qualquer modo, sua atividade profissional era levada à frente com dedicação e sacrifício.



Desta vez, entretanto, Norton encarna um personagem radicalmente diverso, sem nenhum sentimento de culpa - apesar de estar cumprindo pena por ter incendiado a casa onde morreram seus avós, mas alegando que as mortes foram causadas por imprevidência de seu cúmplice no incêndio.



Apelidado “Stone”, está preso há oito anos. A pena é ainda maior, mas por não ter tido agravantes durante esse tempo, ele pode solicitar liberdade condicional, cuja indicação dependerá de ‘Jack’ (Robert De Niro), um antigo funcionário do presídio a quem cabe a tarefa de avaliar os presos. Estes repetem os mesmos depoimentos dizendo “sou um novo homem”, “sei o que fiz de errado, não vou mais fazer” e, muito frequentemente, “encontrei Jesus”, o que pode ser um sentimento verdadeiro ou apenas uma declaração que acreditam funcionar como passaporte para a liberdade.



Mas ‘Stone’ não segue esse caminho em suas entrevistas com ‘Jack’: verbalmente agressivo, falastrão, não faz por onde se passar por “crente” nem simpático, muito menos tranqüilo ou “renovado” – embora em algum momento use o clichê “renascido”, sem saber explicar o que quer dizer com esta palavra quando é perguntado a respeito.



Mas antes desse momento (e o tempo todo) o que o prisioneiro espera é que sua bela mulher (Milla Jovovich) interfira favoravelmente na decisão de ‘Jack’. Isto, em princípio, seria inadequado, uma péssima estratégia com possíveis resultados ao contrário do pretendido. Não fosse ‘Jack’ portador de uma personalidade apenas rigidamente controlada por práticas religiosas intensivas, convivendo com sua esposa (Francês Conroy, a “mãe” da série “A Sete Palmos”) em uma relação aplainada de afeto, talvez mesmo em um clima de hostilidade passiva. O prólogo do filme mostra esse casal muitos anos antes em uma crise conjugal totalmente destemperada, exibindo o que Jack pode ter sido – ou continuar sendo, apenas reprimido, uma barreira tão rígida quanto passível de sofrer rachadura a qualquer momento.



Se durante 8 anos a personalidade limítrofe de ‘Stone’ não ficou evidente para os que conviveram com ele (guardas, agentes penitenciários, etc), também o autocontrole de ‘Jack’ conseguiu se sustentar, mas ele está a ponto de falhar, pelo que se vê em uma cena quando conversa com seu pastor sobre o que esperava da religião. Ele não explicita se é sua agressividade ou sexualidade que esperava ver “domada”, mas provavelmente ele se refere a algum “instinto básico”.



Esse material poderia render um grande filme, mas, infelizmente, há sérios desacertos na condução do argumento. A direção de John Curran já não primava pelo entusiasmo em Despertar de uma Paixão e se mantém algo amorfa desta vez, o que poderia ser uma opção pela sutileza e vontade de sugerir mais do que demonstrar, mas ficamos em dúvida se houve opção ou equívoco.



E o roteiro de Angus MacLachlan também se mostra mais pretensioso do que eficiente, resultando em um filme que deixa o espectador o tempo todo sentindo-se enganado, mesmo que sua preferência não seja por um filme do gênero policial ou de ação. Pois Edward Norton compõe um prisioneiro que lembra o próprio Robert De Niro em Cabo do Medo (segunda versão) em sua atitude, e há uma série de antecipações de cenas mais violentas e pelo embate de “homens em fúria” (como promete o enganador título brasileiro) mas que raramente se concretiza. Não é um problema em si mesmo que um filme surpreenda por uma reversão de expectativas, preferindo uma discussão filosófica, teológica e /ou psicológica sobre o bem e o mal que habita nos corações humanos: o problema é como isso é desenvolvido.



O ritmo lento (ou falta de ritmo) antecipa uma explosão que fica aquém do que se pode esperar e o essencial desempenho dos ótimos atores apresenta incoerências próprias dos personagens em duelo mais verbal do que físico e de como eles são trabalhados pelo roteiro e pela direção. O jogo tradicional de mostrar um e outro em campo e contracampo poderia ser uma opção interessante da forma em que é feito: Norton fala para a câmera como se fosse “olhos nos olhos” do espectador. Mas são tantas conversas e tão longos diálogos que o uso desse tipo de enquadramento fica cansativo e perde a força. Em suas primeiras cenas Norton cai em certo grau de overacting, embora se saia muito bem quando o personagem cruza a barreira para um surto psicótico relativamente desapercebido pelos demais, sendo que nesta situação muitos bons atores escorregam na caricatura ou em piores “superinterpretações”. (Uma boa exceção nesse terreno era a Mia Farrow do esquecido e subestimado Cerimonia Secreta de Joseph Losey).



Mas o filme parece pretender deixar dúvidas e questões em aberto para o público, dentre elas, se ‘Stone’ estaria fingindo em algumas de suas estratégias para enganar ‘Jack’ e obter a liberdade condicional. E aí, não resta dúvida dos equívocos do roteiro e da direção, pois quando ‘Stone’ “surta”, até mesmo a vontade de sair da prisão parece ficar em segundo plano dentro dele; mas como o ator, mesmo em cenas de seu personagem só, mostra-se tão delirante, qualquer relativização posterior deste seu estado fica como um erro de verossimilhança minima: ou antes, no surto, ou mais adiante (quando é mais provável de se apontar a falha na dramaturgia e/ou na psicopatologia do personagem).



De Niro aparece muito melhor do que em muitos últimos filmes lamentáveis dos quais participou em desempenhos abaixo de sua genialidade confirmada na maior parte de sua carreira, em uma composição discreta adequada à tensão interior do personagem. Milla Javovich usa bem sua beleza para a esposa não menos psicopata do que o marido preso. Apenas pelos atores é que este projeto tão interessante quanto pretensioso e frustrante poderia justificar a ida ao cinema.



# HOMENS EM FÚRIA (STONE)

EUA, 2010

Direção: JOHN CURRAN

Roteiro: Angus MacLachlan

Fotografia: Maryse Alberti

Edição: Alexandre de Franceschi

Direção de Arte: Kerry Sanders

Elenco: ROBERT DE NIRO, EDWARD NORTON, MILLA JAVOVICH, FRANCES CONROY.

Duração: 105 min minutos

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