Além de uma trajetória cinematográfica curiosa – formado em cinema na Columbia College e assistente de montagem em Lendas da Paixão (1994), de Edward Zwick -, o cineasta Roberto Santucci demonstra desde o início de carreira um interesse pelo cinema de gênero tendo como diretriz o baixo orçamento de produção e a qualidade do material ser guiada pelo roteiro. Entretanto, o que apresentou até o momento nos trabalhos de longas-metragens não justificam essa proposta. O que o diretor quer é dialogar de alguma forma com o espectador, mesmo que para isso torne a sua dramaturgia carente dos elementos mais básicos de estruturação. Isso é uma constante para um grupo de realizadores brasileiros que acreditam que o fazer cinematográfico está ligado diretamente ao êxito junto ao público. Nada contra o filme ser um produto, só que de qualidade, que inexiste em toda carreira de Santucci (Olé! , Bellini e a Esfinge, De Pernas pro Ar e Sequestro Relâmpago).
No princípio de sua produção, De Pernas pro Ar se intitulava Sex Delícia, que é o nome do estabelecimento que provoca toda a mudança na personagem principal. Mas a equipe decidiu optar por um título que não envolvesse nada relacionado ao sexo para não afastar um público em potencial. Essa é uma medida adotada há décadas por Hollywood, o que não transforma a saída da produção como algo demeritório. Só que essa escolha revela mais sobre o filme do que se poderia imaginar: o longa poderia ser sobre fast food, sapatos ou bolsas que não faria a menor diferença. É uma obra sobre a libertação da mulher através do sexo que não tem uma cena sequer de ato sexual. Os apetrechos sexuais são mostrados como brinquedos, com o intuito de esboçarem gargalhadas para todas as faixas etárias. Não à toa, a personagem trabalhou por anos como publicitária de uma fábrica de brinquedos (Happy Toys). Ela troca a minhoca pelo vibrador, como se os dois signos fossem os mesmos ou representassem para o espectador a gag visual tão explorada. O feminismo nunca antes foi representado de maneira tão pálida no cinema comercial brasileiro, até mesmo a fotografia é cinzenta e não tem entrada de luz em nenhum momento. Parece que o fotógrafo entende a vida tão melancólica da personagem que se posta à frente de sua câmera e ilustra com tons escuros ou pastéis, que vão desbotando a cada sequência de constrangimento e total inaptidão para a comédia de erros.
O prólogo de De Pernas pro Ar é tão apressado quanto aquilo que se quer transmitir sobre o universo da mulher contemporânea: inúmeros cortes são impostos em cenas que poderiam ter uma fluência melhor, mas que estão dispostas apenas para desenharem o estereótipo da mulher que prioriza o trabalho à família e/ou sexo. Esse antigo embate levado às telas com maestria pela diretora Chantal Akerman em Jeanne Dielman (1975), disponível em DVD através da Lume Filmes, se transforma em uma caricatura das mais banais, que nem mesmo consegue emular as matrizes de suas origens, as sitcoms americanas. Pensar em uma diluição pobre de Sex and the City – que construiu um dos retratos mais ridículos da mulher em toda teledramaturgia americana-, não é um raciocínio distante do resultado de De Pernas pro Ar.
Se em Divã (2009), de José Alvarenga Jr., o cinema brasileiro apresentava uma autoajuda para uma mulher que já passou dos 50 anos; o propósito se repete agora em De Pernas pro Ar, só que para uma faixa etária menor. Ambos são produtos, como inúmeros “livros” que se amontoam nas estantes das livrarias e supermercados, que trazem um psicologismo infantil e que por todo interesse na emancipação da mulher como indivíduo na sociedade não conseguem se livrar de uma moral retrógada carregada de culpa e não de prazer. As personagens dos dois filmes supracitados, que não por acaso têm o mesmo roteirista (Marcelo Saback), estão aprisionadas e alijadas da felicidade: superficiais dentro e fora das telas.
# DE PERNAS PRO AR
Brasil, 2010.
Direção: ROBERTO SANTUCCI
Roteiro: MARCELO SABACK E PAULO CURSINO
Produção: MARIZA LEÃO
Montagem: MARCELO MORAES
Direção de Fotografia: ANTONIO LUIZ MENDES
Direção de Arte: RENATA PINHEIRO
Elenco: INGRID GUIMARÃES, BRUNO GARCIA, MARIA PAULA, DENISE WEINBERG, ANTÔNIO PEDRO E CRISTINA PEREIRA
Duração: 97 minutos
Site oficial: http://www.depernasproarofilme.com.br/