Talvez equivocadamente, o 35º filme dirigido por Clint Eastwood esteja sendo enquadrado na linhagem ‘espiritualista” de tantos outros recentes (especialmente filmes brasileiros, mas Biutiful, o mais recente de Alejandro Iñárritu, também traz um personagem que se comunica com os mortos). Desta vez, Eastwood aborda personagens que tentam alguma conexão com seus entes queridos já falecidos, um médium que consegue tal contacto com relativa facilidade e uma mulher que esteve praticamente “morta” mas que, de certa forma, “ressuscitou”.
Na verdade são três enredos que se cruzam, e o que teria maior potencial dramático é o do médium norteamericano vivido por Matt Damon: ele considera seu “dom” uma verdadeira maldição – e isso fica bem caracterizado na passagem em que ele contracena com Bryce Dallas Howard (em breve, mas intensa participação, quase que “roubando” o filme). Este homem quer ficar ligado na vida e no futuro em vez de estar sempre voltado para a morte e o passado, mas é assediado para usar seus talentos paranormais.
Comparativamente, soa menos interessante o desenvolvimento da história da jornalista francesa interpretada por Cécile de France. Mas é neste segmento que o filme tem sua grande cena de efeitos especiais – a serviço do enredo, sem ser um atrativo isolado tal como na maioria das vezes em que os truques predominam sobre roteiros banais e clichês já esgotados.
Essa personagem também serve, provavelmente, para que o diretor e o roteirista Peter (“A Rainha, Frost/Nixon) Morgan não se comprometam tanto com a defesa de eventos “espíritas”: embora ela junte relatórios “médicos” sobre as vivências de pessoas que estiveram “nos umbrais da morte”, no final de tudo a jornalista diz que não sabe se o que recolheu tem mesmo o significado de “uma outra vida” comprovável.
O terceiro episódio trata de perdas significativa vividas por um menino inglês e é o mais ostensivamente tocante, em boa parte graças aos desempenhos sensíveis dos gêmeos Frankie e George McLaren, certamente muito bem dirigidos, mas revelando potenciais próprios.
Falamos em “episódios" e "segmentos”, mas o filme segue a fórmula de alternar as 3 histórias e os personagens na mesma ordem (a francesa, o americano e os ingleses), o que deixa o desenvolvimento formal do roteiro algo “engessado”. O roteirista Peter Morgan vem de uma série de sucessos abordando personagens reais da vida política (Idi Amim Dada, a Rainha Elizabeth II, Nixon) e foi bastante hábil ao inserir dois eventos reais mais ou menos recentes nas vidas dos personagens de ficção.
Não sabemos se o formato de seguir os personagens sempre na mesma ordem de alternância foi preferência sua ou do diretor que, como de hábito, também compôs a música incidental, aliás discreta, bonita e pertinente. A alternância de temas é uma tradição da forma-sonata na música clássica – seria esta uma preferência do cineasta-compositor?
Colaboradores habituais de Eastwood na fotografia e edição servem bem à habilidade artesanal deste ícone superestimado por grande parte da crítica atual que insiste em ver nele um “autor” na dimensão dos grandes cineastas norteamericanos do passado, mesmo quando incorre em equívocos lamentáveis como em A Troca ou no dramalhão igualmente superestimado, Menina de Ouro.
Ainda bem que, desta vez ele conseguiu conter o aspecto melodramático sempre presente no enredo, captando a atenção da plateia de modo envolvente – mas sem se comprometer tanto com teses místicas: afinal, o que o médium capta é o que os mortos querem dizer aos vivos que os procuram? Ou é o que os vivos gostariam de escutar dos seus mortos? Existe uma sensibilidade telepática assumida pelo filme, mas não necessariamente captando o “além da vida”.
Ou assim será se assim lhe parecer, ficando o cineasta em cima do muro sobre o polêmico tema – o que é bem esperto para um filme que quer manter a tensão e atenção, mais do que defender teses.
# ALÉM DA VIDA (HEREAFTER)
EUA, 2010
Direção: CLINT EASTWOOD
Roteiro: PETER MORGAN
Fotografia: TOM STERN
Edição: JOEL COX e GARY ROACH
Música: CLINT EASTWOOD
Elenco: MATT DAMON, CÉCILE DE FRANCE, BRYCE DALLAS HOWARD, FRANKIE e GEORGE McLAREN
Duração: 129 minutos
Site oficial: http://hereafter.warnerbros.com