Alejandro Iñárritu já deixou bem claro seu estilo de visualizar concretamente o que quer mostrar/demonstrar desde quando participou do filme coletivo sobre o “11 de Setembro” (11´09´´01, de 2002) “comentando” a tragédia com imagens reais, óbvias e chocantes, dos corpos caindo das torres (acho que não faltava o som dos baques).
Ele insiste nessa linha de obviedades explícitas que ultrapassam a linha que evitaria os excessos de escatologia e morbidez, incorrendo em uma verdadeira pornografia não-sexual da miséria humana que ele parece necessitar “esfregar na cara” do espectador para deixar sua “mensagem” bem explicada e/ou pour épater e/ou "criar clima" (com os recursos fáceis da concretude imagética).
Mas dá até para desconfiar que o cineasta também deseja extrair um certo prazer sado-masoquista para uso próprio. Resta saber se as variadas plateias também toleram compartilhar disso tudo e do mesmo modo quando caem nas armadilhas dos recursos (truques) narrativos e dramatúrgicos de seus filmes. Em Babel, por exemplo ele torturava o espectador com ajuda do seu ex-roteirista Guillermo Arriaga, repetindo o formato dos sucessos anteriores (Amores Brutos e 21 Gramas) ao alternar histórias trágicas de situações-limite, mas trapaceando com a sincronia/assincronia dos episódios para deixar o público amarrado à cadeira da sala de exibição e sofrendo muito mais do que o necessário pela tensão criada através de tal pirueta folhetinesca.
Em Biutiful ele volta sua bateria sádica para o personagem central (que de início parece ter traços do tipo vivido por Benicio Del Toro em 21 Gramas), enriquecido pela entrega comovente de Javier Barden ao papel em interpretação excepcional. Pena que para uma espécie de nova versão "over" das pragas que caíram sobre a cabeça deste outro Jó, mas nem tanto "um homem justo".
Aliás, vale a comparação com o recente filme dos irmãos Coen, Um Homem Sério, que também castigava o personagem central incessantemente, mas sem a mesma explicitação perversa de Iñárritu: vemos uma privada suja com a urina sangrenta do personagem, a ex-esposa bipolar em episódios de promiscuidade nas fases de excitação, tratamentos de câncer com enfermeiras incompetentes para pegar a veia do paciente; tudo se passa em ambientes sórdidos, imundos e decadentes; uma pitada social da questão dos imigrantes ilegais explorados em trabalhos sub-humanos - e até mesmo uma exumação com direito ao rosto do cadáver em plano fechado.
O cardápio de horrores parece não ter fim nos filmes do diretor. Seu possível álibi seria “a vida é assim”? A vida pode até trazer coisas piores, mas a falta de talento para abordar o mais degradado do ser humano sem recorrer a um realismo em escala “um por um” (tal e qual) fica-nos cada vez mais evidente. O saldo é o escândalo pelas imagens saturadas e a mobilização da plateia pelo baixo ventre emocional.
Tudo isso vem embalado em câmera ágil, fotografia expressiva de seu colaborador habitual, Rodrigo Prieto, e trilha musical sempre adequada de Gustavo Santaolalla; além de outros desempenhos surpreendentes de novatos na tela como Maricel Alvarez no papel de ex-mulher, Hanaa Bouchaib como a filha pré-adolescente e (mais experiente em filmes) o garotinho Guillermo Estrella como o filho menor.
Mas a serviço de que estão a “habilidade” e qualidades formais do filme? Chega a soar mesmo patológico o voyeurismo do olhar minucioso de Iñárritu sobre o mais doloroso da vida e o que há de pior no ser humano, um voyeurismo mal disfarçado por outro possível pseudo-álibi, uma denúncia social sobre imigrantes que traz mais uma série de desgraças, ficando pouco convincentes as duvidosas boas intenções de denúncia. A ênfase do grand guignolesco desta vez ainda se estende ao dom do personagem de Barden em entrar em contacto com os mortos (virou epidemia cinematográfica, indo além das fronteiras do cinema nacional), tocando em pontos sensíveis da psicologia mais à flor da pele das massas com nossas carências de respostas para a morte e o além da vida, recorrendo ao dramalhão sem deixar fôlego para respirar.
Não é nem mesmo a “banalidade do mal” que fica como saldo da desagradável experiência de assisitir este filme, mas a concretude da saturação de imagens de dor e do mal - assim como o mau cineasta fica exposto por só querer (conseguir) se expressar como se quisesse atingir "a coisa em si", coisificando a miséria humana tal como a pornografia coisifica o sexo.
A imagem praticamente reduzida à categoria de pictograma explícito evidencia o sintoma da incompetência pelo recurso ao concreto sem dimensionamento sígnico algum. Já se foi mesmo o tempo em que Godard dizia sobre o sangue nos filmes: "Não é sangue, é vermelho".
Cinicamente, o filme abre e se encerra em cenas "poéticas", ainda que de gosto duvidoso e que não funcionam nem como bálsamo para o acúmulo saturado e indefensável de desgraças explícitas.
# BIUTIFUL (BIUTIFUL)
México/Espanha, 2010
Direção: ALEJANDRO GONZALEZ-IÑÁRRITU
Roteiro: ALEJANDRO GONZALEZ-IÑÁRRITU, ARMANDO BO, NICOLAS GIACOBON
Fotografia: RODRIGO PRIETO
Edição: STEPHEN MIRRIONE
Direção de Arte: MARINA POZANCO
Música: GUSTAVO SANTAOLALLA
Elenco: JAVIER BARDEN, MARICEL ÁLVAREZ, HANAA BOUCHAIB, GUILLERMO ESTRELLA
Duração: 147 minutos
Site oficial: http://www.biutiful-lapelicula.es