A primeira versão de Bravura Indômita, de 1969, ficou sendo chamada de “clássico” mais pelo Oscar dado a John Wayne do que pelo filme propriamente dito.
O diretor Henry Hathway, mais afinado com o feijão-com-arroz hollywoodiano do que com criatividade cinematográfica, podia eventualmente acertar (Fúria no Alasca, 1960), mas True Grit (título original) não era muito melhor do que outros westerns rotineiros do mesmo período que ainda tentavam manter a tradição (ou o conformismo) do gênero sem a mesma pegada dos áureos tempos de John Ford. Pelo contrário, os tempos eram de – digamos – “anti-westerns” como Butch Cassidy, de George Roy Hill, e de Pequeno Grande Homem, de Arthur Penn. Basta lembrar que o ‘Oscar” de melhor filme daquele ano foi para Perdidos na Noite, onde o personagem de Jon Voigt era um cowboy... fake: vestimenta de um candidato a prostituto fazendo um tipo supostamente sexy.
Aliás, ninguém levou muito a sério a premiação de Wayne no mesmo ano em que Voigt e Dustin Hoffman estavam indicados pelo já citado Midnight Cowboy. Esses dois receberiam seus prêmios mais tarde por outros filmes, mas os nunca mais oscarizados Richard Burton e Peter O’Toole também concorriam à estatueta, ainda que em filmes menos representativos de seus talentos. A questão é que ‘Duke’ Wayne não poderia morrer sem um Oscar e a Academia achou que era mais do que hora: afinal, o ator vinha de inúmeras doenças graves nos cinco anos anteriores, incluindo o câncer de pulmão que o mataria em 1979, não sem antes retomar o personagem ´Rooster Cogburn´ de True Grit em Justiceiro Implacável (1975). Wayne poderia ter sido oscarizado por sua participação na obra-prima de Ford (e um dos maiores filmes de todos os tempos) Rastros de Ódio, de 1956, mas na época a Academia não ligava muito para westerns. Lembremos que O Homem que matou o Facínora (1962) foi indicado apenas pelos figurinos de Edith Head, mas Rastros de Ódio nem isto...
Claro que o Oscar é um prêmio que tem mais do que se envergonhar do que ser louvado (ignorou Greta Garbo, menosprezou Chaplin como ator e diretor, e de Cidadão Kane só premiou o roteiro, dentre outras lacunas imperdoáveis), mas ainda é a premiação mais popular de todas, mesmo que restrita a filmes falados em língua inglesa (o Oscar de filme em língua “estrangeira” não é tão prestigiado lá como nos países “bárbaros” que não falam em inglês).
Tudo isso diz respeito à nova versão de Bravura Indômita, indicado a 10 Oscars na próxima premiação de 27 de fevereiro. A Academia se tomou de amores pelos Irmãos Coen, assim como, bem antes dela, a enorme maioria dos cinéfilos do mundo todo. Afinal, a dupla já assinou alguns dos mais marcantes e originais filmes americanos do último quarto de século, conseguindo o instável equilíbrio entre um olhar que pode ser visto como cínico e que, ao mesmo tempo, indica um certo lamento em relação à capacidade do bicho homem ser tão estúpido e destrutivo. A narrativa algo “distanciada” que eles conseguem em seus roteiros e especialmente na linguagem cinematográfica transita da elegância formal ao grotesco quase surreal (mas bem realista) de cenas cuja crueza pode provocar horror ou riso (ainda que um riso de perplexidade nervosa).
Mas admirar os autores não quer dizer aderir incondicionalmente a seus filmes, quaisquer que sejam. Um ponto de vista contrário ao da maioria pode questionar o premiadíssimo Onde os Fracos não tem vez como uma espécie de repetição mais bizarra do que já havia sido exemplarmente exibido em Fargo; e cheio de reiterações tautológicas sobre a maldade e capacidade de mesquinhez do ser humano. Poderíamos citar o detalhe de uma cena com adolescentes em uma ponte, enfatizando o “topa tudo por dinheiro” de que o filme também fala; assim como o discurso saudosista do personagem de Tommy Lee Jones, a não ser que fosse mais uma demonstração de tolice ou ingenuidade (e nem por isso menos perigosa).
Os Coen são dados a retrabalhar filmes antigos. No momento estão pensando em refazer Gambit, de 1966 (no Brasil, Como possuir Lissu), que era com Shirley MacLaine e Michael Caine, agora com Colin Firth e Cameron Diaz, uma comédia de assalto na linha de Rififi. Ou melhor: já que mais cômico do que “noir”, no jeitão de Topkapi, também de Jules Dassin.
Em 2004 refizeram The Ladykillers de 1955 (o original se chamou no Brasil Quinteto da Morte e a refilmagem, Matadores de Velhinhas) e nem todo mundo gostou da tentativa, nada britânica como havia sido o filme antigo com Alec Guiness. E agora, foi a vez de True Grit, embora eles digam que a referência foi o livro original de Charles Portis e não o filme de Hathaway.
Visto de forma autônoma, o enredo de Bravura Indômita não empolga muito, exceto pelo fato de ter uma mocinha de 14 anos como contratante de um caçador de recompensas para descobrir onde está o assassino de seu pai. Para complicar, um outro ranger procura o mesmo vilão, mas para vê-lo enforcado no Texas onde cometeu outro crime, mas a obstinada menina separa bem as duas transgressões e quer ver o assassino de seu pai sentenciado no estado onde o pai foi morto - e por aquele crime, jamais pelo outro.
A vingança específica domina a conduta da personagem e permite algumas discussões entre ela e os outros dois, aliás discussões bem tolas sobre a diferença do bandido ser morto aqui ou ali (a crítica dos Coen é sempre sutil em contraste com as cenas bizarras de assassinatos em geral) . A idéia de todos é que o perseguido vai merecer a pena de morte - e nesse sentido, estamos conversados.
A direção da dupla não enfatiza muito o humor implícito na situação da jovem durona ser a “patroa” do decadente, beberrão e caolho contratado - o que poderia ser uma opção, mas fica como uma das muitas possíveis lacunas de interesse ao longo do filme. A atenção do espectador será despertada pelos lances mais crus nas imagens, como de praxe em muitos filmes da dupla: desta vez uma faca afiada corta cinco dedos de um personagem de uma só vez, dando margem à visão dos cotocos amputados sobre a mesa e da mão que ficou cinco vezes cotó. Não é agradável e nem suficiente para manter o interesse depois do choque.
Parece que a fórmula de abusar do grotesco volta a dar mostras de cansaço como em Onde os Fracos não tem Vez, frustrando os que viram um novo alento na trajetória dos cineastas na excelente realização anterior, Um Homem Sério, de certa forma mais próximo de O Homem que não estava lá, obra máxima deles, na visão deste resenhista.
Estarão caindo no risco de "fazer filmes dos irmãos Coen"? Era assim que Bergman se autoacusava de ter feito alguns "filmes de Bergman"; e a Fellini de ficar repetindo os mesmos "filmes de Fellini" - ou seja, mais do que um estilo, cair no estereótipo de uma fórmula na repetição do que já foi identificado como próprio, pessoal e intransferível.
Curiosamente, o epílogo um pouco mais emotivo da nova versão de True Grit, quase reabilita o filme do seu relativo marasmo, sacudido aqui e ali por momentos que despertam mais atenção isoladamente. Pouco antes do final, uma cavalgada noturna já mostrava o melhor do que os Coen são capazes, mas como um todo, o filme não deixa de ser decepcionante, mesmo para fãs de carteirinha.
Desempenhos, fotografia, música são ingredientes de primeira, mas desta vez a receita não decolou muito.
# BRAVURA INDÔMITA (TRUE GRIT)
EUA, 2010
Direção e Edição: JOEL e ETHAN COEN
Roteiro: JOEL e ETHAN COEN, baseado em livro de Charles Portis
Fotografia: ROGER DEAKINS
Direção de Arte: STEFAN DECHANT e CHRISTINA ANN WILSON
Música: CARTER BURWELL
Elenco: JEFF BRIDGES, HAILEE STEINFELD, MATT DAMON, JOSH BROLIN.
Duração: 110 minutos
Site oficial: http://www.bravuraindomita.com.br