Críticas


FELIZ QUE MINHA MÃE ESTEJA VIVA

De: CLAUDE MILLER e NATHAN MILLER.
Com: VINCENT ROTTIERS, SOPHIE CATTANI, CHRISTINE CITTI, YVES VERHOVEN
26.03.2011
Por Luiz Fernando Gallego
HIPÓTESES DE CAUSA E EFEITO

Já foi observado que muitas vezes o cineasta Claude Miller aborda situações relativas ao período da infância em seus filmes. Algumas de suas melhores obras trazem dramas que se passam com personagens crianças. Como em La Classe de Neige, de 1998, e em Ladra e Sedutora, de dez anos antes. Este era um roteiro de François Truffaut que, já doente, entregou a realização a Miller. A direção respeitava o olhar de Truffaut em filmes como Os Incompreendidos, em relação ao qual Ladra e Sedutora seria uma “versão feminina".



Recentemente Miller filmou o livro Um Secret que é uma autobiografia (ficcionalizada) enfocando a infância do psicanalista e escritor Philippe Grimbert. O filme, de 2007, foi lançado aqui como Um Segredo de Família.



Agora, temos Feliz que minha mãe esteja viva que co-dirigiu com o filho Nathan Miller - e que aborda a história de um menino entregue pela mãe negligente para adoção quando o garoto tinha quase cinco anos de idade. O filme mostra três fases da vida deste garoto, chegando aos seus 20 anos quando é vivido por Vincent Rottiers, indicado como “ator revelação” nos prêmios César - embora já tivesse estado em mais de dez longas antes. Não importa: o desempenho do ator é mesmo excelente, sem desmerecer os demais intérpretes: todos no mínimo corretíssimos - como é comum nos filmes de Miller.



O roteiro, premiado no Festival de Montreal 2009, é baseado em artigo escrito por Emmanuel Carrère, autor de diversos livros já publicados no Brasil. Dentre outros, “O Bigode” (que ele mesmo filmou: La Moustache, sua única direção, bem recebido em festivais como o do Rio em 2005, mas que não teve lançamento comercial por aqui).



Também escreveu o premiado best seller (na França) “Um Romance Russo”, além de “Férias na Neve” (que deu origem ao já mencionado Classe de Neige) e “O Adversário”, filmado em 2002 por Nicole Garcia com excepcional desempenho de Daniel Auteuil. Como no caso de O Adversário, Carrère inspirou-se em um episódio real divulgado na imprensa para escrever o artigo que foi roteirizado como Feliz que minha mãe esteja viva.



Ao assistir o filme, entretanto, não estamos lidando, é claro, com o artigo de Carrére que desconhecemos - e muito menos com o episódio real - mas com o que os roteiristas fizeram com o artigo. Neste aspecto cabe assinalar que a narrativa, de forma discreta, mas insistente, é bastante “psicologizante” no sentido de “explicar” a conduta do personagem adotado.



Vemos, por exemplo, a inabilidade dos pais adotivos em lidar com as angústias do menino Thomas frente à situação de ter sido dado por sua mãe para adoção. Mas pode-se perguntar se tantos dissabores, por mais importantes que sejam, seriam fatores causais do comportamento do jovem adulto de 20 anos.



Ele foi adotado juntamente com um irmão mais novo pelo mesmo casal, e o outro rapaz apresenta um desenvolvimento psicológico compatível com o que supomos ser “normal”, inclusive na relação com garotas. Já Thomas talvez seja virgem. E obcecado em encontrar Julie, a mãe biológica.



Aqui se destacam mais do que sugestões edípicas na conduta de ambos: Julie é algo rude e fala abertamente de interesses sexuais. Como no passado, delega a Thomas cuidados para com um terceiro filho que teve após doar os dois mais velhos para a adoção. Isso já existia na infância de Thomas que “cuidava” do irmão ainda bebê. Ou seja, ele “ocupa” um lugar de “companheiro” de sua mãe - e tal situação (em fantasias inconscientes, ou talvez nem tanto) pode evoluir ainda mais desfavoravelmente.



A enorme carência afetiva de Thomas sofre a ameaça de passar da busca de ternura para a linguagem erotizada corporal e ele vai ter que fazer alguma coisa para se livrar de tal ameaça não-explícita, mas muito sugerida pelo filme.



A linguagem cinematográfica adotada por Miller e seu filho e co-diretor é mais "seca", bem diferente da que usou em seus dois filmes anteriores como o já citado Um Segredo de Família e em A Pequena Lili (2003). É adequada à origem realista do enredo e bastante feliz na forma como encena e filma as vivências infantis de Thomas. O resultado formal é digno, evita o melodrama, mas também corre o risco de mobilizar pouco o espectador, exceto em seu quarto final. E de passar uma idéia muito simplificada de “causa-efeito” para atitudes inusitadas. Afinal, nem todo filho por ser adotivo faz o que Thomas faz...



# FELIZ QUE MINHA MÃE ESTEJA VIVA (Je Suis Heureux Que Ma Mere Soit Vivante)

França, 2009

Direção: CLAUDE MILLER, NATHAN MILLER

Roteiro: CLAUDE MILLER, NATHAN MILLER, ALAIN LE HENRY - baseado em artigo de Emmanuel Carrère

Fotografia: AURÉLIEN DEVAUX

Edição: MORGANNE SPACAGNA

Elenco: VINCENT ROTTIERS, SOPHIE CATTANI, CHRISTINE CITTI, YVES VERHOVEN

Duração: 90 minutos

Site oficial: http://www.metrofilms.com/home.html?cidfilm=134567

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