Críticas


POTICHE – ESPOSA TROFÉU

De: FRANÇOIS OZON
Com: CATHERINE DENEUVE, GÉRARD DEPARDIEU, FABRICE LUCHINI
23.06.2011
Por Susana Schild
NUNCA É TARDE PARA CAIR NA REAL

(Crítica publicada no Segundo Caderno de O Globo em 23.06.2011)



Paris ardeu em maio de 1968, mulheres queimaram sutiãs, hippies pregavam paz e amor, barbudos a revolução, mas nenhuma dessas causas parece ter abalado a convicção de Madame Suzanne Pujol (Catherine Deneuve) quanto ao seu papel na sociedade: o de esposa troféu, para ser exibida, de preferência calada, por um poderoso industrial de guarda-chuvas no longínquo ano de 1977 na cidadezinha de Sainte-Gudule, Norte da França.



Ela bem que faz a sua parte. Rolinhos no cabelo (sim, essa prática já existiu), realiza seu cooper matinal, conversa com passarinhos e esquilos, anota belos pensamentos em um caderninho, até canta de vez em quando e pronto: está preparada física e espiritualmente para enfrentar a hercúlea tarefa que o destino lhe reservou, ou seja, zelar pela felicidade da família, cuidar da mansão, e escutar, numa relação de mão única, as queixas do casal de filhos adultos. A moça segue o modelo familiar de casamento infeliz, o rapaz está à beira de dar um mau passo, seguido de outro – dependendo do ponto de vista. Conformada e compreensiva – ninguém se lembra do seu aniversário - Suzanne, como os produtos da fábrica do marido só tem serventia em caso de mau tempo. Ela vive de e para as aparências. Aí é que entra a graça da história: nas regras deste jogo, desde que se mantenha o bom tom, tudo pode acontecer. E acontece.



Para o bem de Suzanne, não há mal que sempre dure, por mais confortável que seja. O marido é seqüestrado pelos operários, estes sim, sintonizados com os novos tempos, e por problemas de saúde, o cargo fica vago. A melhor pessoa para substituí-lo? Suzanne, é óbvio, que assume o posto com uma competência inesperada, estimulada pelo ex-namorado (Gérard Depardieu), para cúmulo das ironias, deputado prefeito comunista. Demorou, mas a burguesa de charme discreto vai finalmente viver um conto de fadas às avessas: rasga o uniforme de Madame para cair na real – e levar muita gente com ela. A vida fica muito mais divertida – e o filme também.



Distante de obras mais densas, como Gotas d´Agua em Pedras Escaldantes ou Sob a Areia, ou de thrillers como À Beira da Piscina, e mais próximo de comédias de origem teatral como Oito Mulheres (uma delas, La Deneuve), o diretor François Ozon, assume a gênese da trama, baseada em peça de sucesso de Pierre Barillet e Jean-Pierre Grédy, também autores do roteiro e aposta todas as fichas no gênero comédia de costumes.



Uma impecável reprodução de ‘época’ transporta o espectador para uma forma de interpretação e encenação assumidamente anos 70, com ecos farsescos de vaudeville. A aparente frivolidade dos personagens conduz a surpresas e reviravoltas – mantidas as aparências, evidentemente. Todos são gentis caricaturas de suas inspirações – e como falam! Em elenco afinadíssimo, Fabrice Luchini está irrepreensível como o burguês estressado que certamente jamais levaria a mulher sonhadora para assistir a bobagens como Os Guarda-chuvas do Amor. As coisas mudam, e logo M. Pujol descobre que as esposas mais virtuosas também sabem aprontar – e como! .



Mas os troféus de interpretações vão para o duo Catherine Deneuve – Gérard Depardieu, em oitava parceria nas telas, desde o primeiro encontro em O Último Metrô em 1980, de François Truffaut. A eterna bela da tarde envelhece com classe e está totalmente à vontade na comédia, gênero raro em sua filmografia. Já Gérard Depardieu prova que a naturalidade de conviver com peso, rugas e idade é arte para poucos eleitos (e há outra prova desta maestria em cartaz, Minhas Tardes com Margueritte). E cabe ao casal ícone do cinema francês, um momento antológico: apenas uma troca de olhares, de sorrisos, no início de uma dança – não mais do que 30 segundos que valem por todo o filme. Desta vez, o humor francês viajou muito bem.





POTICHE, ESPOSA-TROFÉU (POTICHE)

Direção: FRANÇOIS OZON

Roteiro: FRANÇOIS OZON, sobre a peça de PIERRE BARILLET e JEAN-PIERRE GRÉDY

Fotografia: YORICK LE SAUX

Edição: LAURE GARDETTE

Música: PHILIPPE ROMBI

fdIREÇÃO DE ARTE: KATIA WYSZKOP

Elenco: CATHERINE DENEUVE, GÉRARD DEPARDIEU, FABRICE LUCHINI, KARIN VIARD, JUDITH GODRÈCHE, JÉRÉMIE RENIER

Duração: 103 minutos

Site oficial: clique aqui

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