O segundo filme de longa metragem feito para cinemas dirigido pelo ator David Schwimmer (o ‘Ross’ de Friends) marca um considerável avanço em relação à sua estréia (a lamentável comédia [?] Maratona do Amor). Mas, ainda assim, Confiar precisa ser visto na perspectiva específica de ser um produto de advertência didática e preocupado com sua função social. No caso, a sedução de adolescentes (ou crianças) através da internet por parte de adultos que usam identidades falsas para conquistar suas vítimas. Não fosse Schwimmer um dos Diretores da Rape Foundation, organização californiana preocupada com o estupro de menores aliciados pela rede. Pena que a censura norteamericana o restringiu a maiores de 17 anos quando seu principal público-alvo seria mais juvenil ainda.
Do ponto de vista estritamente cinematográfico, apesar da fotografia sensível de Andrzej Sekula (Cães de Aluguel, Oleanna), como obra de ficção seu roteiro falha no quesito dramaturgia, mostrando-se mais preocupado com a demonstração dos perigos embutidos nos contactos virtuais estabelecidos por jovens mais ingênuas. O comportamento dos chamados “predadores sexuais” geralmente segue o mesmo padrão de envolver, através de reasseguramentos, adolescentes naturalmente inseguras na transição da infância para a adultidade, mostrando-se como “aquela pessoa amiga que é a única que entende” o que está se passando naquela fase conturbada da vida. Muitas vezes se apresentam inicialmente como outros jovens, apenas um pouco mais velhos, e aos poucos vão “aumentando” sua idade declarada até conseguirem um encontro presencial.
Não é raro que sejam adultos que em suas atividades profissionais lidam com jovens, acostumados a conviver com suas inseguranças e capazes de conseguirem uma empatia (perversa) que utilizam nos processos de sedução. Podem ser homens casados, pais de família (até de outros jovens) e também conhecedores de meandros da internet (usam provedores de países distantes e pouco accessíveis) dedicando-se por longos períodos a rastrear suas presas. O filme mostra como o FBI (representado pelo agente interpretado por Jason Clarke) tem recursos para tentar, por seu lado, rastrear os pedófilos, mas também exibe as dificuldades deste trabalho nem sempre bem sucedido.
Temos também o desespero dos pais quando descobrem o que aconteceu com seus filhos (pais que podem se revelar igualmente ingênuos, por exemplo, em relação à sexualidade a todo vapor da faixa etária da garotada) e vemos tudo o que eles não devem fazer depois do ocorrido – o que fica a cargo do personagem de Clive Owem; enquanto o bom senso e delicadeza (não só profissionais) é tarefa da terapeuta e assistente social vivida por Viola Davis (que em Dúvida vivia a mãe de um menino talvez abusado por um religioso, mas que fazia vista grossa à preocupação da freira que desconfiava do abuso).
Ou seja, cada personagem tem uma “função” didática para exemplificar o que ocorre mais comumente nessas situações, e o desenvolvimento é pré-estabelecido para mostrar o que se deve e o que não se deve fazer, cabendo outra cota de bom senso afetivo à mãe (Catherine Keener) da menina ‘Annie’ - que bate na tela em impressionante composição da atriz Liana Liberato.
Frequentemente o enredo toma o caminho esperado para a demonstração que pretende transmitir didaticamente, ainda que atenda ao que se observa na maioria desses casos. É assustadora a “identificação com o agressor” por parte das vítimas, ponto nevrálgico que amplia o abismo entre os jovens que ainda defendem os que os seduziram e os pais revoltados com a monstruosidade do comportamento perverso dos “predadores”. Mas essa atitude por parte das vítimas precisa ser compreendida a partir do fato que toda sedução sexual começa antes por uma sedução via “coração & mente”.
Alguns aspectos de nossa cultura atual são sugeridos através da profissão do pai que trabalha em uma agência de propaganda que usa e abusa de fotos de jovens em poses mais ou menos sensuais e semidespidos (quando não totalmente). Por um lado, é bom que isso não se transforme em um discurso moralista por parte do filme: é uma vantagem que o personagem do pai não faça um mea culpa moralizante contra seu próprio trabalho.
E também pode ser interessante a contradição entre a insegurança de ‘Annie’ para com seu corpo e sua beleza, sendo a atriz tão engraçadinha e a personagem esforçada (e bem-sucedida) em suas atividades esportivas: afinal, a questão da autoimagem na nossa “cultura do narcisismo” (e da exposição e do espetáculo) pode criar padrões inatingíveis para a maioria dos mortais; além do que as inseguranças da puberdade se prendem mais a questões subjetivas que raramente têm correspondência na objetividade de um olhar externo que pode apreciar mais do que criticar o(a) jovem em crise de crescimento.
Esses pontos que podem ser considerados favoráveis, ainda que derivados da busca de realismo verossímil por parte do roteiro, não deixam de demarcar lacunas no aspecto dramatúrgico da situação desenvolvida, o que nos faz pensar se a meta pretendida seria mais bem atingida por um documentário. Mesmo assim, uma cena próxima ao desfecho entre Clive Owen e Liana Liberato, além de lembrar o ator excepcional que Owen pode ser, ao se expor no fio da navalha do melodrama, sacudirá a plateia como uma daquelas famosas cenas entre “pai & filha” freqüentes nas óperas de Verdi. Por um breve instante, o ator usa seu papel para uma interpretação - nos vários significados da palavra: um daqueles momentos em que a “representação” da realidade através de uma criação ficcional pode ser “mais real” do que a própria realidade, afinal, a função da arte de ficção.
# CONFIAR (TRUST)
EUA, 2010/11
Direção: DAVID SCHWIMMER
Roteiro: ANDY BELLIN ROBERT FESTINGER
Fotografia: ANDRZEJ SEKULA
Edição: DOUGLAS CRISE
Direção de Arte: KERRY SANDERS
Música: NATHAN LARSON
Elenco: CLIVE OWEN, CATHERINE KEENER, LIANA LIBERATO, VIOLA DAVIS
Duração: 106 minutos
Site oficial: http://www.trustmovie2011.com/