Para criar o famoso pôster que se tornou símbolo da campanha de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos, o artista gráfico Shepard Farey trabalhou em cima de uma foto da agência AP tirada durante um evento, no momento em que Obama assistia a um discurso de George Clooney sobre a Guerra de Darfur. Não é de se estranhar, portanto, que o pôster de campanha do personagem que Clooney interpreta em seu novo filme, um governador democrata que quer concorrer à presidência, seja idêntico ao de Obama. “Tudo pelo poder” (“Ides of March”) faz referências mas não chega a ser uma crítica direta a Obama. O que o Clooney diretor nos oferece é um retrato um tanto amargo dos bastidores da política de uma forma geral. Mostra como traições, chantagens e acordos espúrios fazem parte da rotina nada saudável de qualquer governo, seja ele de esquerda ou de direita, democrata ou republicano.
O filme é baseado na peça da Broadway “Farragut North”, de Beau Willmon, mas Clooney mudou o título para “Ides of March”. Foi no dia 15 de março do ano 44 A.C. que Julio Cesar foi tirado do poder em Roma após ser assassinado com 23 facadas, vítima de uma conspiração política liderada por Brutus. Como se vê, o vale tudo pelo poder remonta aos Idos de Março, nem sempre com consequências trágicas, mas quando o final é supostamente feliz, há de se desconfiar.
É justamente a questão da perda da ilusão e da inocência o tema central do filme. O verdadeiro protagonista não é o governador Morris, mas sim Stephen, um de seus coordenadores de campanha, vivido por Ryan Gosling. Desde o início a narrativa leva o espectador a se identificar com o ponto de vista de Stephen sobre Morris. Durante a primeira meia hora, o candidato praticamente não tem nenhum diálogo, aparecendo como uma figura imaculada e mitológica pelo olhar do assessor. Durante um debate, quase leva Stephen às lágrimas, que o enxerga como um homem realmente íntegro e capaz de mudar a vida dos americanos para melhor.
Integridade, no entanto, é um valor caro ao cinema de George Clooney, como ele demonstrou no ótimo “Boa Noite e Boa Sorte” ao se debruçar sobre os bastidores da televisão americana na época do macarthismo. A transformação pela qual Stephen passa, ao longo do filme, é um golpe duro no idealismo daqueles que ainda crêem que seja possível sobreviver na selva política sem se deixar contaminar pelo vale tudo que a sede de poder proporciona. Some-se a isso a discussão sobre como escândalos da vida privada podem arruinar uma vida pública, assunto em que os americanos sempre foram mestres e que ultimamente anda sendo exportado para as democracias europeias.
A maneira escolhida por Clooney para contar a história está dentro do padrão hollywoodiano de excelência. “Tudo pelo poder” é um thriller político vibrante, banhado pelo humor ocasional de diálogos inteligentes, com uma trama recheada de reviravoltas e forte parentesco com o cinema noir. Com atuações impecáveis, Ryan Gosling, Philip Seymour Hoffman, Paul Giamatti, Marisa Tomei e o próprio Clooney encabeçam um elenco de sonhos para qualquer diretor. E, reafirmando seu talento como realizador, Clooney demonstra todo um cuidado e bom gosto na direção de arte, no uso da música e na opção pelas pausas e silêncios em momentos-chave que pedem reflexão.
Ao fim da sessão, muitos espectadores dificilmente vão enxergar seus políticos preferidos da mesma forma, especialmente aqueles que fazem questão de encarnar a figura do “salvador da pátria”. Mérito pra Clooney, que, sem maniqueísmo, soube meter o dedo na ferida na forma de um belo filme.
#TUDO PELO PODER (IDES OF MARCH)
EUA, 2011
DIREÇÃO: George Clooney
ELENCO: Ryan Gosling, George Clooney, Philip Seymour Hoffman, Paul Giamatti, Marisa Tomei.