Críticas


GUERRA ESTÁ DECLARADA, A

De: VALÉRIE DONZELLI
Com: VALÉRIE DONZELLI, JÉRÉMIE ELKAÏM
06.01.2012
Por Luiz Fernando Gallego
A VIDA TRANSFORMADA EM CINEMA

Eu tenho pulsões de morte como todo mundo, mas eu prefiro as obras que me deixam compartilhar com todo mundo as pulsões de vida”, declarou, em uma entrevista o ator e co-roteirsta de A Guerra está declarada, Jérémie Elkaïm.



Portanto, respeitável público, deixe de lado seus temores se tiverem lido a sinopse do segundo longa-metragem da atriz Valérie Donzelli - que escreveu o roteiro do filme com Jérémie, seu ex-companheiro e pai de seu filho. Não se trata de um melodrama de altruísmo à americana: ao contrário, eles pensam o filme como "de ação" e até se permitem alguns momentos anti-naturalistas quando os personagens cantam (sem que o filme seja um musical). Mas retrata melhor a realidade do que muitos filmes com temas semelhantes, e superior a todos que trabalharam sobre o assunto dentre os que conseguimos recordar.



O enredo é inspirado na experiência real do ex-casal e em episódios pelos quais passaram ao descobrirem que seu filho estava com uma doença grave. Mas eles negam que o roteiro seja tal e qual o que viveram. Não pretenderam mimetizar ou re-fazer a realidade como se fosse uma ficção documental . Pelo contrário, como já dito, usam recursos nada "realistas" à Jacques Demy (ou Chistopher Honoré) quando os personagens cantam; e trechos narrados por vozes em off podem lembrar filmes de Truffaut. Mas mesmo reconhecendo as semelhanças eles salientam que não se trata de “referências” cinematográficas e, sim, recursos que lhes pareceram necessários à construção diegética pretendida. De fato, a(s) voz(es) em off correspondem a elipses que evitam, por exemplo, quaisquer excessos de “relatórios médicos” comuns em tantos filmes que abordam situações de doença. Mas o que eles retratam aqui, mais do que doença, é a vida - apesar dos seus imprevistos ameaçadores - e sem pedagogia de auto-ajuda.



Os desempenhos dos atores, especialmente do casal central, nem parecem "interpretações" (seriam vivências re-apresentadas ficcionalmente, mais do que “representadas” dramaticamente), sendo que todo o elenco pontua bem a curiosa verossimilhança pretendida. O ritmo da montagem acompanhada pela trilha sonora (que utiliza até trechos manjados de Vivaldi) nos presenteia com uma edição de som e imagens admirável. Nada que um bom diretor de comerciais não pudesse fazer “tecnicamente”, mas usado aqui como um significante capaz de transmitir o que a diretora pretendeu com afeto e inteligência criativa.



Não se trata de um retrato de algo vivido em “um por um”: há transformação do vivido em arte. O resultado é um modo de fazer cinema inteligente (sem intelectualismos) e amoroso (sem ser meloso). Uma ode à vida e ao cinema como não se via desde os melhores momentos de Truffaut, mas sem ser mera cópia, fiel ou infiel, porque transmite o que só poderia ser recriado por quem viveu o que é visto na tela, mas recriando a vida vivida em encenação e linguagem cinematográficas da melhor qualidade.

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