O que mais chama a atenção ao cabo de quase duas horas e meia de duração de Cavalo de Guerra, o mais recente filme de Steven Spielberg (em lançamento no Brasil quase simultâneo ao de As Aventuras de Tintim, outro filme recente do diretor) é como sua ótima cinematografia está a serviço de dramaturgia tão fraca e eivada de diálogos corriqueiros e primários. Nesse sentido, pode-se dizer que o resultado final de War Horse (título original) até tem alguma coisa do melhor Spielberg, mas traz muito dos piores aspectos frequentemente apontados ao longo de sua carreira.
Mesmo a competente fotografia de Janusz Kaminski (que desde A Lista de Schindler está em todos os filmes do cineasta) incorre em exageros análogos aos dos excessos da péssima trilha musical de John Williams, ainda por cima utilizada de modo abusivo e intrusivo. No caso das imagens criadas por Kaminski, como evitar o incômodo, por exemplo, com o excesso de filtros que saturam a tela de vermelho no que deve ser o milionésimo crepúsculo rubro da história do cinema? Chega a lembrar o incêndio de Atlanta em ...e o Vento levou, mesmo que sem fogo.
Já as cenas de batalha da I Guerra são proporcionalmente tão impactantes quanto foi a recriação do desembarque na Normandia em O Resgate do Soldado Ryan. Aliás, as cenas de massas e de ação são mais atraentes do que as dos trechos “emocionantes” do enredo - e que nem sempre funcionam bem. Se o cavalo perdido na "terra de ninguém" entre as trincheiras adversárias é um belo momento isolado, o “episódio francês” da menina que “adota” o cavalo (já como sua terceira proprietária) é pouco interessante e quebra completamente o ritmo que o filme vinha tentando manter até ali, já com alguma dificuldade.
Por outro lado, o curto “episódio alemão” que antecede o da menina francesa traz dois irmãos desertores das tropas inimigas e funciona quase como um curta-metragem dentro do longa, capaz de mobilizar o espectador mais pela crueza do que pelo melodrama, culminando no dramático enquadramento de uma pá de moinho em movimento no primeiro plano que mostra–esconde-mostra o que se passa em segundo plano.
Também se destaca a fusão da imagem do bordado da personagem vivida por Emily Watson que passa para um plano geral da terra pedregosa que seu filho tenta arar com o cavalo do título, antes de irem para a guerra. Aliás, mais uma vez a atriz é desperdiçada, ainda que, como sempre, capriche nos detalhes de suas poucas intervenções. Mas se algum “desempenho” consegue marcar mais presença é mesmo o do animal, fio condutor do irregular roteiro: ‘Joey’ fica praticamente o tempo todo em cena, ao contrário dos humanos pelos quais ele passa (e, por favor, cinéfilos, esqueçam A Grande Testemunha [Au Hasard, Balthasar], de Robert Bresson, que tinha um burro conduzindo os fatos).
O filme deixa a impressão de que é ainda mais longo do que seus 146 minutos quando se aproxima do desfecho que nunca chega, adiado por seus vários “finais”: cada cena da última meia hora parece ser o clímax pretendido, mas a coisa segue adiante rumo a uma nova aparente conclusão - que ainda não é - até que, depois de mais procrastinação, por fim, vemos concretizado o que poderia ser chamado de “O Resgate do Cavalo Ryan” – aliás, ‘Joey’.