Críticas


ARTISTA, O

De: MICHEL HAZANAVICIUS
Com: JEAN DUJARDIN, BÉRÉNICE BEJO, JOHN GOODMAN, JAMES CROMWELL, PENELOPE ANN MILLER
11.02.2012
Por Susana Schild
UM ARTISTA GENIAL, O PRAZER DE VER

A esta altura, Jean Dujardin deve estar rouco de repetir discursos de agradecimento ao receber as mais variadas estatuetas de melhor ator do ano (Cannes, Globo de Ouro (gênero comédia), Bafta - o Oscar inglês), entre muitos outros. Uma bem-vinda ironia para um ator que apesar de entrar mudo e sair calado, salvo três palavras em ‘off’ ao final do filme, vem impactando as platéias com seu emocionante ‘tour-de-force’ em O Artista (The Artist). A ironia aumenta se levarmos em conta o percurso deste ator mais conhecido pela paródia de 007 em Agente 117 (2006) e OSS 117 – Rio não responde mais (2009), este filmado, em parte, no Rio.



Embora sucesso comercial restrito ao solo francês, as produções selaram a cumplicidade da dobradinha Michel Hazanavicius / Dujardin, que um ano depois, em uma guinada surpreendente, recuaram algumas décadas para abordar a transição do cinema mudo para o falado na velha Hollywood do final dos anos 20. A indicação a dez estatuetas do Oscar (uma a menos que o recordista do ano A invenção de Hugo Cabret,de Martin Scorsese), é apenas a evidência mais estridente do entusiasmo que O Artista vem provocando.



E qual seria o mistério de uma produção em preto e branco (com fotografia deslumbrante, é verdade, assinada por Guillaume Schiffmann), muda (bem, tem a trilha inspiradíssima, com todos os excessos permitidos da época, de Ludovic Bource e cartelas inspiradas), e um romance platônico sob a ótica liberal do século XXI?



É difícil explicar porque um filme ‘emplaca’, mas talvez uma das justificativas, no caso, esteja na simplicidade: a recuperação do singelo prazer de ver. Sim, em tempos de overdose tecnológica de efeitos visuais e sonoros, montagem histérica, personagens carregados de vulgaridade em block-busters, O Artista é uma homenagem a tempos supostamente mais puros (nas telas, entenda-se), mas felizmente retratada sem ingenuidades ou maniqueísmos. Outro ponto a favor: o rigoroso entrosamento das partes (direção de arte, figurinos, maquiagem, etc. etc.) e um desfile impecável de coadjuvantes - não há ator (humano ou canino) desperdiçado – seja James Cromwell, como o mordomo, John Goodman, como produtor, e um quixotesco Malcolm McDowell (quem não se lembra de Laranja Mecânica?), na sarcástica representação de um ator que interpreta a sombra de si mesmo.



Talvez a maior sacada de Michel Hazanavicius tenha sido uma atitude conciliatória entre a ode à maior fábrica de sonhos do século e o ostracismo de muitos astros talentosos ao longo da história, seja pela idade (essa avidez do público por carne fresca!!!!) ou mudanças tecnológicas. Neste caso, o ápice da falência pessoal foi retratado em Crepúsculo dos Deuses, obra prima de Billy Wilder, com Gloria Swanson como a amargurada Norma Desmond. Seu pecado: não ter se adaptado às necessidades do cinema falado, teimando em ser fiel a uma época, a uma forma de representar, a si mesma. Há muitas outras referências em O Artista, como Cantando na Chuva e Nasce uma Estrela.



O diretor de nome impronunciável contrapõe a decadência de George Valentin – que padece do orgulho mortal de se achar imortal para o público – à ascensão de uma starlet, a encantadora Peppy Miller (Berenice Bejo), na vida real mulher do diretor. O crack de 1929 não facilita as coisas para o ator cada vez mais esquecido, empobrecido, desesperançado.



A engrenagem hollywoodiana não é pródiga no hábito de fazer caridade. Quando a consciência da instituição dói, o consolo vem com a entrega de um Oscar de reconhecimento por serviços prestados. Geralmente, o homenageado apresenta um lado paralisado, o outro claudicante, mas um passado glorioso – e é assim, segundo as leis de Hollywood, que deve ser. Mas O Artista também cita uma Hollywood eventualmente benevolente, que vez por outra abre espaço para um revival (há dois anos Mickey Rourke, que já tinha beijado a lona, renasceu das cinzas em O Lutador, em 2008). É raro, mas acontece – não se sabe por quanto tempo.



O Artista uma fábula acre-doce sobre as armadilhas do estrelato e das engrenagens da indústria do entretenimento se impõe pela criatividade estética e por apostar em personagens em constante transformação em um mundo que não para de mudar. Quando se tem a sorte de usufruir de um amor dedicado e se leva jeito pra dança, como as coisas podem até arranhar um final feliz - nas telas, bem entendido. Puro Hollywood.

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