Críticas


HABEMUS PAPAM

De: NANNI MORETTI
Com: MICHEL PICCOLI, NANNI MORETTI, MARGHERITA BUY
15.03.2012
Por Luiz Fernando Gallego
SEM ALMA NEM INCONSCIENTE

Habemus Papam parte de uma situação inusitada: um Cardeal eleito Papa, em crise, não assume seu lugar na janela do Vaticano para saudar os fiéis, ali aglomerados, esperando para saber quem foi o escolhido (segundo a vontade de Deus, conforme a crença da Igreja Católica). Sem este ritual, o conclave não é dado como encerrado, e os votantes, cardeais do mundo todo, não podem sair do isolamento exigido para a eleição de um novo Papa.



O passo seguinte é uma boa idéia cômica em si mesma: um psicanalista, supostamente o melhor da Itália, é chamado para tratar a crise (emocional ou espiritual?) do eleito recalcitrante. Podem ser divertidas as tentativas do seguidor de Freud na abordagem do seu “paciente”: ao contrário do isolamento e sigilo prometidos pelos analistas, sua primeira entrevista com o angustiado servo de Deus é observada por todo o cardinalato presente em uma sala de dimensões nada íntimas. E as investigações-clichê da psicanálise são interditadas: nada de falar de sexo, perguntar sobre a mãe ou mesmo sobre a infância. A conclusão máxima, dita de modo bem claro, é que os conceitos de “alma e inconsciente não podem coexistir" para a Santa Madre Igreja.



Infelizmente, depois deste início que poderia ser algo promissor, o mais recente filme de (e com) Nanni Moretti (no papel do “melhor” psicanalista) é que se revela sem alma e sem pujança, consciente ou inconsciente: dá voltas em torno da situação central sem conseguir um desenvolvimento interessante, tenta episódios que pretendem obter sorrisos da plateia mas só fornece risos amarelos de constrangimento frente à obviedade das críticas (de intenção sutil) que o diretor e co-roteirista pretendeu. A melhor delas é quando, sem revelar quem é, o Cardeal Melville (o eleito), vai consultar outro profissional, uma analista, ex-mulher do que foi chamado ao Vaticano e que não teria suportado estar casada com “o melhor” enquanto ela não passaria de ser “a segunda melhor”. Questionado sobre sua profissão, diz que seria “ator”, sem estar conseguindo atuar. Alusão quase explícita ao “teatro” das religiões, no caso e especialmente a Igreja católica... mas também fica difícil não lembrarmos das veleidades teatrais do falecido João Paulo II que andou pisando palcos em sua Polônia natal muito antes de ser Papa. Seja como for, as ironias sugeridas nunca vão muito mais longe - como aliás, tudo neste roteiro de uma idéia só.



Se o enredo claudica na ação que se passa fora dos muros do Vaticano, a coisa fica muito pior no cenário interno. Com o conclave em suspensão, o analista convocado para acudir o Papa fica na mesma situação dos cardeais: quem está fora (quase) não entra, mas principalmente, quem está dentro não sai. Submetendo-se à situação, o terapeuta acaba organizando partidas de vôlei entre os dignatários da Igreja. Tudo isso poderia vir a ser de fato engraçado e crítico se a narrativa de Moretti-diretor tivesse um mínimo de nonsense para ganhar verossimilhança (diegética), mas sua cinematografia é rotineira, burocrática e pouco inspirada. Outras pretensas gags mal fazem cosquinhas no cérebro dos espectadores (como cardeais “colando” na hora de votar ou um deles caindo ao chão quando há uma falta de luz na Capela Sistina – seria algo “simbólico”?)



O único aspecto realizado do filme fica por conta da agonia/perplexidade expressa na interpretação de Michel Piccoli. É com o ator (nascido em 1925) que o filme ganha um pouco de alma (e quase roça as fímbrias de um Inconsciente). Por ele, e apenas por ele, Habemus Papam não é um completo desastre, mas expõe a fragilidade do superestimado Moretti. O cinema italiano atual é tão limitado que até aberrações como Begnini e esforçados-sem-talento como Moretti podem parecer reis - mas só em terra de cegos...



Talvez involuntariamente, a ligação deste personagem vivido por Piccoli com a arte de ator remeta o espectador cinéfilo a um filme de 2001 no qual Piccoli interpretou um ator de fato, também idoso e que enfrenta uma crise em relação à sua presença nos palcos: Vou para Casa, de Manoel de Oliveira. Lá como cá, o ator se mostra capaz de mais profundidade do que seus diretores e respectivos filmes.



Desperdiçando a frequente analogia, superficial que seja, do setting psicanalítico com o confessionário católico, Habemus Papam perde-se na evolução primária e limitada de seu instigante argumento de base - que merecia um desenvolvimento de roteiro mais esperto e uma direção mais criativa.

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