Antes de qualquer coisa, é preciso levantar uma questão: baseado em que costuma-se dizer que as novas platéias não gostam de filmes musicais, daqueles em que os personagens cantam quase o tempo todo? Quem tiver um dado concreto provando que isso é verdade, por favor envie por e-mail para janot@criticos.com.br. O que é fato comprovado é que filmes recentes como Moulin Rouge, de Baz Luhrmann, e Chicago tiveram ótima aceitação de público e crítica no grande circuito, o mesmo podendo-se dizer de Todos Dizem Eu Te Amo, de Woody Allen, e Dançando no Escuro, de Lars Von Trier, estes no circuito independente.
Há, isso sim, um certo desgaste na expressão “musical da Broadway”, que para muitos ainda é sinônimo de produções teatrais grandiosas, artificiais, excessivamente melodramáticas ou cômicas, caretas e de gosto duvidoso, embora espetáculos como Rent ou os do grupo Stomp sejam sinônimo de renovação no gênero.
Chicago tem coreografias teatrais, o artificialismo teatral, o luxo teatral, a iluminação teatral, as músicas teatrais...mas apesar de todos esses elementos, tem mais cara de cinema do que de teatro filmado. E aí o mérito é de muita gente: do diretor estreante Rob Marshall, do roteirista Bill Condon (vencedor do Oscar pelo roteiro de Deuses e Monstros), do diretor de fotografia Dion Beebe e do elenco principal, formado pelo afiadíssimo trio Renée Zellweger, Catherine Zeta-Jones e Richard Gere. Sem falar na ótima música original de Fred Ebb e John Kander, importada da versão teatral.
A grande sacada de Marshall foi a de preservar, além da música, boa parte dos elementos criados pelo coreógrafo Bob Fosse quando este adaptou Chicago para os palcos da Broadway, na década de 70, e traduzi-los cinematograficamente de forma inteligente - como, aliás, o próprio Bob Fosse já havia feito em 1972 com Cabaret, cuja versão para o cinema faturou oito Oscar. O que mais impressiona em Chicago, além do fato de o filme ser quase inteiramente ambientado em um mesmo espaço (o presídio), é como os extensos números musicais se integram à narrativa sem quebrar o ritmo acelerado da trama, misturando realidade com os sonhos da aspirante a estrela Roxie Hart (Zellweger).
Apesar de ambientado na década de 20, Chicago é atualíssimo enquanto crônica social. O cerne de sua discussão está centrado em três vértices: os bastidores do showbiz, a banalização do crime e a deformação do processo judicial. Há ainda observações sobre o poder da imprensa, e a forma como ela é facilmente manipulável. Todas essas questões não são abordadas como tratado sociológico, mas em tom leve, bem-humorado, embora com ironia e acidez – afinal, o quadro social desenhado por Chicago é de uma podridão absoluta, uma terra de espertos onde o bom mocismo e a ética sempre levam a pior.
O número musical em que Richard Gere faz Renée Zellweger de boneco de ventríloquo para uma platéia de jornalistas marionetes, representando uma entrevista coletiva, é a síntese de como realidade e artificialismo se casam à perfeição nesse filme que não tem a ousadia e os arroubos criativos de Moulin Rouge, mas que cumpre à risca seu objetivo enquanto cinema: entreter com inteligência. Chicago é como um daqueles desfiles corretíssimos e impecáveis da Imperatriz Leopoldinense, só que com muita empolgação no lugar da frieza.
# CHICAGO
EUA, 2002
Direção: ROB MARSHALL
Roteiro: BILL CONDON
Produção: MARTIN RICHARDS
Fotografia: DION BEEBE
Montagem: MARTIN WALSH
Música: JOHN KANDER e FRED EBB
Elenco: RENÉE ZELLWEGER, CATHERINE ZETA-JONES, RICHARD GERE, JOHN C. REILLY, QUEEN LATIFAH, LUCY LIU
Duração: 113 min.
site: www.miramax.com/Chicago/index.html