Talvez uma das funções da crítica cinematográfica seja a de informar o espectador o que ele vai encontrar indo ao cinema - não no sentido de contar detalhes do enredo de um filme de ficção (péssimo hábito de muitas resenhas, coisa que se chama de “spoiler” e que deve ser avisado previamente como advertência quando o autor do texto julgar essencial, por exemplo, “contar o final” para retratar melhor seu ponto de vista sobre a obra).
Muito menos é caso de impor ao leitor sua avaliação qualitativa sobre um filme: a opinião do crítico é uma opinião entre tantas, frequentemente com discordâncias de pontos de vista entre nós mesmos (sendo saudável oferecer ao leitor argumentos a favor e contra). Espera-se, entretanto, que a opinião crítica deva ser embasada, ou seja: “gosto se discute”, sim; mas o crítico deve analisar seu próprio gosto (ou desgosto) com o que viu para poder transmitir os motivos pelos quais apreciou (ou não) um filme.
Isso tudo veio a propósito de nosso texto sobre A Perseguição, o quarto longa-metragem para cinema de Joe Carnahan (o anterior foi Esquadrão Calsse A, de 2010) que nas três primeiras semanas de exibição, em dezembro de 2011 nos Estados Unidos, teria arrecadado o dobro do que custou (US$50 milhões de bilheteria contra gastos de US$25 milhões).
Ora, há muito tempo se sabe que o que é bom para os Estados Unidos não é necessariamente bom para o Brasil, mas em tempos globalizados, o sucesso de um filme por lá costuma pautar as expectativas de sucesso por aqui. Com as devidas reservas para filmes sobre baseball, é claro.
No caso do filme estrelado por Liam Neeson (seu maior chamariz por aqui), cabe perguntar por que fez sucesso por lá e por que seu lançamento carioca está privilegiando uma sala na Ilha, uma em Niterói e quatro cinemas na Zona Norte contra apenas dois na Zona Sul. Nesta região, em se tratando de circuito Severiano, observa-se que o filme não está em nenhuma sala do Cine Leblon, nem do Roxy e nem do São Luís, ficando apenas em uma sala de shopping, pequenina como são as do Rio Sul. Na Zona Norte, foi escolhida uma sala no Shopping Iguatemi cujos cinemas perderam prestígio frente ao Shopping Tijuca, onde o filme não está em lançamento.
Sobre salas na Barra (três) não nos aventuramos a arriscar qual o público ou estratégia de lançamento, mas podemos levantar duas hipóteses, tão arriscadas quanto quaisquer outras a partir dos dados anteriores: a) o público que engordou as bilheterias norteamericanas pode ter sido público adolescente; b) o filme foi considerado “casca grossa” para a suposta sensibilidade maior do público “zona sul” e os distribuidores/exibidores estão apostando em platéias cariocas que curtem filmes de ação incessante. Afinal, o título brasileiro para The Grey fala de uma perseguição...
Podemos seguir nos aventurando em hipóteses mercadológicas (que não são nossa especialidade, portanto, sujeitas a mais chuvas e trovoadas do que as tempestades de neve que são vistas no filme) lembrando que um dos sub-gêneros de sucesso frequente junto às platéias adolescentes (e de adultos jovens) é o do filme dito “de terror” em que os personagens vão sendo mortos, um a um, por um Jason ou Freddy Kruger qualquer.
E que filmes “de terror” com sangue, suor e vísceras (não falo dos de terror com melzinho amoroso entre jovens vampiros sarados e mortais bonitinhas) encontrariam mais público carioca em salas mais distantes do “Circuito Elisabeth Arden” de ditos filmes “de arte” - e da Zona Sul, em geral.
Essas considerações hipotéticas visam esclarecer ao espectador que gosta do ator principal de A Perseguição e de filmes de aventura que, neste caso, vai encontrar influências de dois sub-gêneros que talvez não sejam sua praia: o filme-catástrofe e o filme-de-terror-que-vai-matando-os-personagens-em-mortes-horríveis-um-de-cada-vez.
Se estiver curioso do porquê desta hipótese central para nossa resenha, siga adiante sem encontrar “spoilers” mais graves, apenas situando as premissas do enredo: um grupo de petroleiros no Alasca, em dias de tempo pior ainda, está em um avião que cai em meio a uma tempestade de neve. Como se não bastasse, os sobreviventes estão, segundo alguém que entende do riscado (adivinhem quem é o ator que faz esse papel), em um território de lobos, talvez perto de seu covil. Seremos informados devidamente que lobos só atacam para comer, mas quando se sentem invadidos no que consideram território deles, atacam para afastar os intrusos. Está esclarecida a “perseguição” do título: lobos contra homens.
Antes mesmo do primeiro ataque dos lobos, termos direito à morte lenta de um passageiro agonizante por ferimento por onde se esvai em sangue enquanto escuta frases de encorajamento de (adivinhem quem) no sentido de enfrentar a morte estoicamente: “Você vai morrer. Pense em alguma coisa boa. Sua filhinha, você disse? Pense nela. Deixe que a morte escorregue sobre você e o cubra”. Mais ou menos por aí. São essas as frase “filosóficas” que o espectador é obrigado a escutar entre um ataque dilacerante de presas lupinas em pescoços humanos e outras formas de morrer piores ainda ou não...
De que adiantam as hábeis cenas de fuga em corredeiras, sobre abismos, em descampados nevados, se tudo está a serviço de recheio para os “tempos mortos” (sem ação) onde todos os estereótipos do formato são usados?
Os estereótipos? O negão boa-praça, o cara boa-gente de óculos, o chato que fala demais e é quase (mas longe de) cômico, o chato metido a corajoso que cria problemas, é arrogante e disfuncional mas que vai ficar bonzinho depois de enquadrado pelo herói, e acima de tudo e de todos... o herói amargo que vai em frente em qualquer situação - mas que esconde uma amargura maior ainda do que se possa imaginar, e que será “explicada” no último minuto de projeção em um rápido flashback (depois de vários outros ao longo da narrativa mas que escamoteavam “a verdade” sobre porque foi que no início do filme ele estava quase enfiando sua espingarda na boca para um provável tiro final...).
Em resumo: se o espectador curioso sobre este filme gosta de filme-catástrofe e/ou “de terror” com vísceras, talvez tenha encontrado seu filme de aventuras favorito para o final de semana e feriado (carioca) de São Jorge (23 de abril). Caso contrário, pense duas vezes antes de comprar sua entrada para este “Dragão-Lobo da Maldade contra Liam Neeson Guerreiro”